Título: 200 mil famílias na beira dos trilhos
Autor: Rosa Bastos e Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/11/2005, Metrópole, p. C1

Às 4 horas em ponto ouve-se o primeiro apito e, logo depois, o barulho ensurdecedor. O trem passa raspando o muro onde alguém teve a idéia infeliz de construir um barraco. E onde Sandra dos Santos Meruvia, de 31 anos, tem a infelicidade de morar com a filha. Sara, três meses incompletos, estremece e chora. Dali até as 8 horas será um trem a cada 7 minutos considerando só o que passa rente ao ouvido. Se levar em conta o que vai no sentido contrário, será um a cada 3 minutos e meio. Mas não é só. O barraco estilo sobradinho, com um "andar superior" - bem onde Sandra dorme, ou tenta dormir com seu bebê - fica entre duas linhas de trem da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), na Favela do Moinho, nos Campos Elísios, região central de São Paulo.

Já Camile tem 1 ano e engatinha pela casa sem a menor noção de perigo. Por questão de segurança, um pedaço de madeira bloqueia sua passagem na porta da rua e impede que ela engatinhe direto para a... linha do trem. Mãe do bebê, a adolescente Luciana Alves de Lima, de 16 anos, torce para não ter a mesma sorte de sua vizinha Marlene Rosa Quintanilha, mais conhecida como dona Maroca, na Favela Parque Arará, na zona norte do Rio. Há seis meses, dona Maroca perdeu o filho de 33 anos, atropelado.

A Favela do Moinho e a Parque Arará são dois exemplos significativos de um problema que se espalha por todo o País e dos riscos que provoca para a população.

Dados da Associação Nacional de Transporte Ferroviário (ANTF) revelam a existência, hoje, de 824 focos de invasão que envolvem 200 mil famílias. Por lei, a área de segurança de uma linha férrea é fixada em 6 metros de distância de cada lado da via. Além disso, mais 15 metros, em toda a extensão, são considerados como área proibida para edificações.

O diretor-executivo da ANTF, Rodrigo Vilaça, lembra que as concessionárias de ferrovias de carga pagam ao governo R$ 350 milhões por ano pelo arrendamento e outros R$ 458 milhões como Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre combustível.

"Se esses recursos, que ficam no caixa único do governo, voltassem para o setor privado, permitiriam tornar viáveis projetos para acabar com esses gargalos e pontos críticos da malha", diz ele.