Título: Difícil missão
Autor: Alcides Amaral
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/11/2005, Espaço Aberto, p. A2

Dos homens públicos ao redor do mundo, aquele que terá uma das missões mais difíceis em 2006 será o recém-indicado acadêmico Ben Bernanke para comandar o Federal Reserve (Fed), o Banco Central norte-americano, a partir de fevereiro do próximo ano. Assumindo-se que o escolhido do presidente Bush será aprovado pelo Senado dos Estados Unidos, ele terá a incumbência de substituir o legendário Mr. Alan Greenspan, que por 18 anos comandou, de fato, a economia daquele país, estando à frente do Fed. Mr. Bernanke é um profissional de altíssimo nível, com sólida formação acadêmica, mas com pouca vivência no mercado financeiro. E esse é o risco. Até sua programada posse, o Fed vai reunir-se mais duas vezes (em 13 de dezembro e 31 de janeiro) sob a batuta de Mr. Greenspan, o que significa que, provavelmente, o trabalho mais fácil daquela instituição terá sido realizado. As taxas de juros norte-americanas, que eram de 1% ao ano no começo de 2004, foram aumentadas gradativamente desde junho, estão agora em 4% ao ano e podem atingir 4,5% quando Mr. Bernanke tomar posse. Essa é a taxa mais alta desde 2001 e o impacto destes aumentos sucessivos já é sentido.

Os títulos do Tesouro norte-americano de dez anos já superaram a marca de 4,6% ao ano (ante pouco acima de 4% meses atrás), bem como as taxas dos empréstimos imobiliários (30 anos de prazo), que se encontravam no nível de 5,5% ao ano em novembro de 2004, hoje estão ao redor de 6,2%. Portanto, novos aumentos das taxas de juros na nova administração do Fed terão de ser cuidadosamente analisados para que os efeitos não sejam desastrosos.

E por que razão poderiam ser desastrosos?

Inicialmente, não podemos esquecer que há uma verdadeira "bolha imobiliária" no mercado norte-americano, com valorização significativa do preço dos imóveis nos últimos anos. Como conseqüência do aumento nas taxas de juros já verificado, o volume de empréstimos para o setor imobiliário pelos bancos norte-americanos se encontra praticamente estabilizado em US$ 440 bilhões nos últimos meses. O mercado de construção civil está perdendo fôlego, fato comprovado na última semana, quando a empresa líder no mercado de construção, a Toll Brothers, divulgou previsão declinante dos seus resultados para o próximo ano. Portanto, a partir de fevereiro a administração cuidadosa das taxas de juros será fundamental para evitar que essa "bolha imobiliária" comece a esvaziar-se, com danos significativos para a economia dos Estados Unidos.

Não bastasse, ao contrário do que ocorre aqui, no Brasil, lá o Fed não é responsável apenas pelas taxas de juros e pelo controle da inflação. Tem, também, a obrigação de zelar pelo crescimento econômico, o que exige muito mais perícia na administração da política monetária do país. O objetivo do governo norte-americano é manter a inflação sob controle (ao redor de 2% ao ano) e possibilitar que a economia cresça pelo menos 3,5% ao ano, conforme estimado hoje pelos economistas.

Como preocupações adicionais, Mr. Bernanke terá de conviver com os chamados "twin deficits" (déficits gêmeos), que tiram o sono não só dos norte-americanos, mas de todos os governos ao redor do mundo. Para financiar seu déficit em contas correntes, próximo de US$ 760 bilhões em 2005, os Estados Unidos são os maiores tomadores de empréstimos ao redor do mundo. As contas fiscais estão um pouco melhores, pois o déficit do ano terminado em 30 de setembro de 2005 ficou em "apenas" US$ 319 bilhões, uma redução de quase US$ 100 bilhões em relação ao ano anterior. Os orçamentos mostram, entretanto, que o déficit voltará a superar os US$ 400 bilhões em 2006, reduzindo-se gradativamente daí para a frente até atingir a metade desse valor em 2009. Será uma tarefa dura para o governo de Tio Sam, pois o norte-americano, em geral, está acostumado a gastar, visto que a poupança da população registrou índice negativo pela primeira vez desde 1932.

Como podemos verificar, Mr. Bernanke não terá tarefa fácil pela frente. Adquirir a credibilidade de Mr. Greenspan é o primeiro passo, mas não o único desafio a enfrentar.

Com esse cenário, o que podemos esperar de positivo ou negativo aqui, para o nosso país? Se Mr. Bernanke tiver êxito na sua difícil empreitada, quase nada mudará. Continuaremos a ter crédito e investimentos internacionais, o Brasil poderá continuar a crescer em 2006. Caso, entretanto, ele tenha de vir a enfrentar problemas mais graves que o forcem, por exemplo, a aumentar ainda mais os juros para segurar a inflação, nossa situação pode ficar delicada. Os capitais internacionais não precisarão buscar taxas mais altas no mundo emergente, e ficarão lá mesmo, nos Estados Unidos. Com crescimento menor da economia norte-americana, o mundo todo pagará parte da conta, pois ela é hoje a grande compradora de bens e serviços, mesmo com a evolução da China nos últimos anos. E uma redução da atividade mundial afetará as nossas exportações, que têm sido o carro-chefe do crescimento da nossa economia. Com nosso câmbio defasado, mais exportadores perderão oportunidades no mercado internacional. E com as taxas de juros locais mais altas do mundo teremos dificuldades de nos desenvolvermos à custa de crédito interno. Esse é um mal que incomoda a todos, o que fez a ministra Dilma Rousseff, até aqui silenciosa sobre o assunto, declarar na última semana que "o País precisa reduzir os juros se quiser sair do atoleiro".

Enfim, muita emoção em 2006. Daí nossa torcida em prol de Mr. Bernanke, pois o seu sucesso significará dias melhores para todos nós.