Título: Incompetência e esperteza
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/11/2005, Notas e Informações, p. A3

As enormes dificuldades que o governo enfrenta no Senado para aprovar a Medida Provisória nº 258, que cria a Super-Receita, estão servindo de cunha para se introduzir no texto original uma nova rodada de renegociação de dívidas tributárias, que, como as anteriores, beneficiarão devedores contumazes do Fisco e punirão os contribuintes honestos. Mais uma vez se assiste ao lamentável espetáculo que combina a incompetência política do governo e a esperteza de um grupo interessado em aproveitar a fragilidade do Executivo para auferir benefícios para si ou seus aliados. O resultado dessa combinação pode ser danoso para o País. A MP 258 cria a Receita Federal do Brasil, com a absorção do sistema de arrecadação previdenciária pela Receita Federal. Em tese, essa unificação aumentará a eficiência do aparelho arrecadador, que disporá de informações mais precisas (atualmente, não há cruzamento automático das informações da Previdência e da Receita), e reduzirá seu custo, pois seus quadros serão unificados.

Há fortes resistências à MP tanto na Previdência como na Receita, por causa do efeito que a fusão terá sobre o número de funcionários. Tributaristas estão preocupados com o poder da Super-Receita.

Também no Congresso a MP 258 enfrenta forte oposição. Os que a criticam entendem que a proposta do governo deveria ter sido encaminhada na forma de projeto de lei, o que daria mais tempo para o debate parlamentar de um tema dessa importância. Além disso, na opinião de muitos congressistas, uma proposta desse tipo não contém as características de "urgência e relevância" que justifiquem a edição de uma medida provisória.

Por isso, foi com muita dificuldade que o governo conseguiu, na quarta-feira passada, aprovar a MP 258 na Câmara. Mas, para que não perca validade, ela terá de ser aprovada também pelo Senado e estar sancionada pelo presidente da República até a próxima sexta-feira, o que dá muito pouco tempo para os senadores a discutirem. "É um absurdo que o Senado tenha de apreciar no último dia uma medida provisória dessa magnitude", reclamou com razão o presidente da Casa, Renan Calheiros.

Para fazer isso, alguns senadores exigem alguma compensação. E é aí que entra a esperteza. Em troca da presteza na votação da MP, o que se quer é a incorporação, em seu texto, de um novo programa de perdão (ainda que parcial) e de renegociação de dívidas tributárias. Dois programas desse tipo, conhecidos como Refis (Programa de Recuperação Fiscal) 1 e 2, foram aprovados nos últimos anos, o primeiro em 2000 e o segundo (oficialmente designado como Paes) em 2003. Para os contribuintes em débito com o Fisco que a eles aderiram, os resultados foram muito bons. Do ponto de vista da arrecadação, porém, foram modestos.

Dois senadores do PMDB, Romero Jucá (RR) e Fernando Bezerra (RN), já se prontificaram a fazer esse acréscimo. O segundo, além de líder do governo no Congresso, é ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), entidade que representa alguns dos principais interessados no que poderá ser o Refis 3. Eles têm o apoio explícito do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, que acompanha o assunto com atenção especial.

Há cerca de dois meses, a Fiesp apresentou ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci, uma proposta para o Refis 3. Essa proposta repete algumas das regras dos programas anteriores e, sobretudo, torna menos severas outras, como a que limita o prazo para o parcelamento do débito tributário.

Os contribuintes em débito que aderiram aos programas anteriores, em sua maioria, auferiram as vantagens - como a obtenção de certidões negativas que os habilitaram a fornecer para o setor público e a conseguir financiamentos bancários -, mas não cumpriram sua parte. Depois de alguns meses, abandonaram os programas. A Fiesp quer abrir nova oportunidade para esses mesmos contribuintes aderirem a um novo programa que lhes reduzirá a dívida e oferecerá condições vantajosas de renegociação.

O governo, que pouco ganhou com os anteriores, não tem motivo para aceitar outro. E, se o fizer, qual será a reação dos contribuintes que, com esforço, pagaram e pagam os tributos em dia?