Título: 'É preciso admitir as culturas diferentes'
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/11/2005, Internacional, p. A9

Há 15 anos o sociólogo Jean-Marc Stébé, professor da Universidade de Nancy, pesquisa diferentes aspectos da vida na periferia das grandes cidades francesas. Seu trabalho já rendeu vários livros, como A Crise dos Subúrbios. A seguir, a entrevista que concedeu ao Estado. Quais são as razões dos motins?

Há uma rede de elementos que os explica. Primeiro, a política de repressão - e não de prevenção - da violência nos subúrbios que o governo adotou nos últimos três anos. A segunda causa seria o discurso de guerra e humilhação do ministro do Interior, Nicolas Sarkozy. Ao dizer que os jovens da periferia eram "gentalha" e era preciso limpar os subúrbios com lavadoras de alta pressão, as pessoas se sentiram atacadas. Em terceiro, há o sentimento de injustiça que esses jovens têm em relação aos outros franceses. Injustiça econômica, porque não têm emprego, e também cultural e social. Há discotecas que não os deixam entrar. Um quarto elemento seria a relação entre a polícia e os cidadãos na França. Aqui não há diálogo com a polícia. Eles estão aí para reprimir, e os cidadãos a vêem como inimiga. A última causa é o conceito que adotamos, desde 1789, de que a república é universal e todo mundo é igual. Na realidade, somos diferentes. Aqui não há árabes-franceses, afro-franceses ou sino-franceses: somos todos franceses. As comunidades existem, mas nós as negamos.

Estado de emergência, toque de recolher: a França está em guerra?

Tudo isso é um exagero. Tem-se a impressão de que tudo está ardendo. O governo acabaria conseguindo restabelecer a ordem, nem que fosse convocando as Forças Armadas. A questão não é restabelecer a ordem, mas resolver o problema. Isso o governo não está fazendo.

A deterioração dos subúrbios, sua feiúra em comparação a bairros centrais, não teria um papel na revolta?

Não acho que seja uma questão de urbanismo, mas de isolamento. A concentração de pessoas socialmente desfavorecidas é que cria o problema. Nessas concentrações, o serviço público é falho, não há lazer nem cultura. Existem bairros com 10 mil habitantes sem um único café. Para a França, que tem a cultura do café como um de seus pilares, isso é uma aberração.

A situação dos imigrantes e seus descendentes na França é diferente da de outros países europeus?

Conheço o caso da Inglaterra. Eles também têm seus problemas. Mas não há o universalismo, essa idéia republicana de colocar todos na mesma fôrma, de não levar em conta as diferenças. Na Inglaterra, há uma tendência maior a aceitá-las. Até na alimentação se percebe isso. Lá, os restaurantes têm menu vegetariano para os indianos. Aqui, não há concessão.

As medidas adotadas, como dar mais dinheiro a projetos de urbanismo e às ONGs que atuam na periferia, resolvem o problema?

Elas podem ajudar, mas não resolvem o problema de fundo. Seria preciso repensar a integração dessas pessoas, que são francesas e se sentem excluídas. A república deve ser um conjunto de comunidades diferentes, que vivem juntas e em harmonia, e não algo universal em que se finge que todos são iguais. Construir mesquitas, por exemplo, é um modo de admitir que há culturas diferentes coexistindo na França.