Título: Paralisação de peritos deixa milhares de doentes na fila
Autor: Marcelo Rehder
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/11/2005, Economia & Negócios, p. B1

Com três filhos para sustentar, o comerciário Valdecy Silva, de 39 anos, madrugou na fila do INSS na semana passada para remarcar uma perícia. O auxílio-doença de R$ 500 é a única fonte de renda da família. Após 16 meses afastado, recebeu alta do médico, mas afirma ter seqüelas de um acidente de moto, no qual bateu a cabeça, e não pode voltar ao trabalho. Requereu o benefício novamente e depois de um mês aguardando, teve de enfrentar a paralisação dos médicos peritos credenciados, iniciada em 25 do mês passado. Silva, então, foi obrigado a esperar outras três horas para remarcar o exame que, com sorte será daqui a 30 dias. Não estava sozinho: centenas de pessoas formam filha no único posto de atendimento da capital paulista. Mas o drama de quem precisa do INSS não se concentra apenas nas enormes filas e na falta de atendimento por causa das greves dos servidores do órgão. Está também no descaso de alguns médicos peritos, que segundo os segurados, fazem má avaliação do quadro clínico, causando mais problemas, além da própria doença. Essas pessoas afirmam ser incapazes de trabalhar, mas voltam a trabalhar porque não conseguem mais tempo de auxílio-doença.

PERÍCIAS

Cláudia Mendes Kuin, de 34 anos, é um exemplo. Afastada do serviço de auxiliar administrativo há quatro anos, recebeu alta há dois meses. Foi pedir reconsideração da decisão e, depois de mais uma perícia, o médico avisou: "Pode voltar ao trabalho dia 29." Cláudia tem de tomar nove medicamentos por dia, por causa de infecção generalizada, e anda com o auxílio de uma bengala. Levou um laudo de um médico particular recomendando que fosse considerada incapaz de desenvolver qualquer atividade. Mas, conta, o perito nem olhou. "Preciso fazer uma pequena cirurgia todos os anos para conseguir andar." Boa parte do benefício que ela recebe, cerca de R$ 1 mil por mês, é gasto em remédios.

Os peritos sabem que existem esses casos e culpam, além da falta de gerenciamento por parte do órgão, a grande demanda de segurados em busca do auxílio para poucos profissionais realizadores de perícia.

Os benefícios por incapacidade são responsáveis por 70% dos atendimentos nas agências do INSS. Em 2004, foram realizadas cerca de 8,4 milhões de perícias, das quais 2,4 milhões para a concessão do auxílio-doença. O órgão não forneceu a quantidade de reconsiderações e processos administrativos protocolados nos últimos anos. Em 2000, o INSS pagou R$ 3 bilhões em auxílio-doença. Em 2004, foram R$ 9 bilhões.

Os pacientes em situação mais grave vão à Justiça, mas isso, aconselha a juíza Renata Lotufo, presente da Turma Recursal do Juizado Especial de São Paulo, deve ser feito depois de o INSS já ter decidido, por meio de um recurso administrativo próprio, o indeferimento do pedido de reconsideração do auxílio-doença.