Título: O equívoco de Dilma
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/11/2005, Economia & Negócios, p. B2

Em sua já famosa entrevista ao Estado, na semana passada, a ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, foi infeliz ao avaliar as contas da Previdência Social. Ela observou que em todos os países do mundo as despesas previdenciárias são grandes. O desempenho da Previdência brasileira, segundo ela, melhorou nos últimos anos e o déficit "está aumentando a taxas decrescentes". Infelizmente, os números não dão razão à ministra. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu a Previdência Social, ao tomar posse, com um déficit correspondente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Este ano, a previsão do próprio governo é que o déficit fique em torno de 2% do PIB, como mostra a tabela abaixo. Ou seja, em três anos o "rombo" das contas do INSS aumentou 0,8% do PIB.

O desequilíbrio das contas da Previdência é um fenômeno relativamente recente no Brasil, pois começou em meados da década de 1990. Em 1995, por exemplo, o INSS ainda não apresentava déficit em suas contas. O déficit é a diferença entre as receitas arrecadadas e as despesas com benefícios. Três fatores principais acentuaram o desequilíbrio das contas do INSS.

Em primeiro lugar, a crescente informalização das relações de trabalho no Brasil contribuiu para reduzir a receita do INSS. Do final da década de 1980 para cá, cresceu substancialmente o número de trabalhadores na chamada economia informal, que não possuem carteira assinada e, portanto, não contribuem para a Previdência Social. Segundo o IBGE, a participação dos empregados com carteira assinada na população economicamente ativa se reduziu de quase 58% em 1990 para cerca de 45% em 2002. Apenas 16% dos trabalhadores sem carteira e 21% dos empregados por conta própria contribuíam para o INSS em 2001, segundo os dados da PNAD/IBGE.

O regime do INSS é de repartição simples - ou seja, as contribuições dos empregados ativos pagam os benefícios dos que estão aposentados. Se diminui o número dos trabalhadores que contribuem para a Previdência, aumenta o déficit do INSS.

A segunda explicação é que os trabalhadores da área rural passaram a receber benefícios previdenciários sem terem contribuído para isso, por decisão dos constituintes de 1988. Em 2004, a Previdência pagou 6,9 milhões de benefícios aos trabalhadores do campo, numa despesa total de R$ 23,8 bilhões. Naquele ano, as contribuições ao INSS provenientes da área rural foram de apenas R$ 3,2 bilhões - ou seja, o déficit na área foi de R$ 20,6 bilhões.

A terceira explicação para a elevação do déficit previdenciário foram os aumentos reais para o salário mínimo concedidos, quase anualmente, a partir do primeiro mandado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso até agora. Como 65% dos benefícios pagos pela Previdência Social são de até um salário mínimo, qualquer aumento real no piso resulta em despesas adicionais do INSS.

Há rumores dentro do governo de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prepara-se para conceder novo aumento real para o salário mínimo. A proposta orçamentária para 2006, encaminhada pelo governo ao Congresso em agosto, prevê que o piso passará dos atuais R$ 300 para R$ 321. As informações que circulam são de que Lula pretende elevar o mínimo para R$ 345 a partir de primeiro de maio do próximo ano. O custo adicional dessa medida para a Previdência social é avaliado pela área técnica da Comissão Mista de Orçamento do Congresso em R$ 4 bilhões.

Em sua entrevista ao Estado, a ministra Dilma Rousseff repetiu uma argumentação dos velhos tempos do PT, quando o partido de Lula ainda estava na oposição. Dilma disse que, com a criação da Super-Receita - a união da Secretaria da Receita Federal com a Receita Previdenciária, determinada pela medida provisória 258 -, a sonegação será combatida e a arrecadação previdenciária crescerá.

Parecia que esta argumentação - de que basta combater a sonegação das contribuições do INSS para resolver o problema do déficit - tinha sido arquivada pela experiência adquirida pelo PT na administração federal. Os especialistas sabem que esse problema não se resolve assim, embora um aumento da arrecadação, de forma permanente, possa melhorar a situação.

Uma alternativa discutida pelo governo Lula, logo no seu início, era substituir uma parte da alíquota do INSS que incide sobre a folha de salários por uma contribuição sobre o faturamento das empresas, cobrada em regime de valor agregado. Essa alternativa chegou a ser incluída no texto constitucional, por meio da reforma tributária de 2003, mas até hoje não foi regulamentada.

A idéia é que, ao reduzir os encargos sobre a folha de salários, o governo estimularia as empresas a contratar mão-de-obra com carteira assinada. Com isso, a arrecadação do INSS aumentaria. O governo desistiu de regulamentar esse dispositivo da Constituição por causa da mudança feita na tributação da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), que deixou de ser cumulativa. A alíquota da Cofins passou para 7,6%. Se fosse substituir parte da contribuição patronal ao INSS por uma contribuição sobre o valor agregado, provavelmente o governo teria de elevar a alíquota da Cofins para 10%.

A ministra Dilma poderia ter aproveitado a entrevista para destacar alguns aspectos que precisam ser corrigidos no sistema previdenciário brasileiro. A falta de um limite de idade para requerer a aposentadoria, por exemplo, é um deles. Não ficou claro se a ministra concorda, por exemplo, que os professores continuem se aposentando antes que os demais mortais. Pelas regras atuais, uma mulher professora pode se aposentar com 25 anos de contribuição ao INSS. Se essa professora começou a trabalhar com 20 anos de idade, aos 45 anos poderá requer aposentadoria. O próximo governo, qualquer que seja ele, terá de enfrentar essas questões.