Título: O ministro nas cordas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/11/2005, Notas e Informações, p. A3

Para o ministro Antonio Palocci e o presidente Lula, o feriado de 15 de novembro, que deve deixar a política em banho-maria durante toda a semana que vem, equivale ao soar do gongo com que terminam os assaltos das lutas de boxe. A conjunção - acidental? proposital? - das críticas da titular da Casa Civil Dilma Rousseff ao plano de ajuste fiscal de longo prazo, em elaboração na área econômica, com o adensamento das dúvidas sobre a inocência do ex-prefeito de Ribeirão Preto que viria a ser um dos principais coordenadores - e arrecadadores? - da campanha presidencial petista levou o ministro às cordas e o seu chefe à beira de um ataque de nervos. Anteontem, uma autêntica Quinta-Feira Negra, Brasília viveu um daqueles dias de vaca não reconhecer bezerro, como diria o presidente. Se o noticiário da imprensa de ontem oferece versões incoerentes sobre as ações - e, mais do que isso, as intenções - dos principais personagens do drama em cartaz no Planalto, isso talvez se deva menos à incompetência dos jornalistas do que às incertezas desses mesmos protagonistas. Quando Palocci fala em deixar o cargo, será pelo recrudescimento do chamado fogo amigo contra as suas diretrizes, ou pela intensificação do fogo inimigo sobre o papel que terá desempenhado na engorda do caixa 2 do PT?

Se há qualquer fundamento nas especulações de que os ataques da companheira sucessora de Dirceu serviriam a Palocci como um pretexto nobre - divergências de orientação sobre os rumos do governo - para sair de cena (embora isso pudesse torná-lo ainda mais vulnerável no âmbito das CPIs), quais seriam as conseqüências para Lula? Como é óbvio, tudo o que o presidente faz gira em torno de duas metas indissociáveis: dar a volta por cima da crise e se reeleger. Para tanto, perder Palocci, como perdeu Dirceu, será um complicador ou um facilitador? E o próprio Dirceu? Depois de 30 meses no Gabinete como o anti-Palocci por excelência, eis que aparece como o seu primeiro patrono.

Numa entrevista ao jornal Valor, que chama a atenção tanto pela força dos seus argumentos como pelo fato de manifestá-los, Dirceu afirma: "Não vejo nenhuma hipótese de Palocci sair. Nem pela cabeça do ministro passa uma coisa dessas porque ele sabe a importância que tem para o governo e o País. Talvez, o Brasil tenha tido poucos ministros da Fazenda com a qualidade do Palocci. Porque o ministro da Fazenda também é serenidade, capacidade de articulação, credibilidade, visibilidade, é ter trânsito internacional e principalmente ter a confiança do presidente da República e da economia. O ministro Palocci tem. Acho que seria um desastre para o Brasil, primeiro, depois para o governo, se o ministro Palocci saísse."

Mas, na quinta-feira, ao depor na CPI dos Bingos, dois dos colaboradores dos tempos de Ribeirão Preto acenderam bombas sob o seu assento. Rogério Buratti garantiu que ele sabia que a tavolagem doou por baixo do pano R$ 1 milhão para a campanha de Lula. E Vladimir Poleto, apesar - ou por causa - de sua indigência mental, entrou em tantos detalhes contraditórios sobre o vôo dos supostos dólares cubanos de Brasília para Campinas que deixou absolutamente claro que tudo, menos bebida - tudo, menos algo legal -, se transportou naquele 31 de julho de 2002 para o PT.

A história acerta Palocci em cheio: o dono do avião é seu amigo; os três envolvidos, Buratti, Poleto e o falecido Ralf Barquete, trabalharam para ele. A possibilidade de que tenha existido uma quadrilha cumpridora de suas ordens já não pode ser descartada como fantasiosa. Também, ou principalmente por isso, Lula quer se ver livre das CPIs o quanto antes. Dois dias depois de garantir, no Roda Viva, que jamais houve "ingerência do governo" para atrapalhar os inquéritos, teve o descaramento de tentar impedir a prorrogação da CPI dos Correios até abril. Vendeu às mancheias facilidades aos parlamentares que subscreveram o respectivo pedido apenas para criar dificuldades.

Ao fim e ao cabo, recontadas as assinaturas, no final da manhã de ontem, viu-se que a oposição tinha obtido, sim, os apoios suficientes. Por ilustrativa coincidência, 171, o número do artigo do Código Penal que trata de estelionato, que desta vez falhou. As investigações entrarão ano reeleitoral adentro, como um contraponto fincado na realidade à narcisista retórica de Lula de ser o único presidente a ter "uma coisa chamada liga, chamada sangue", com os problemas do povo.