Título: 'Situação no subúrbio é volátil há vários anos'
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/11/2005, Internacional, p. A20

Líder da revolução estudantil de maio de 1968 na França, o eurodeputado Daniel Cohn-Bendit, hoje com 60 anos, concedeu a seguinte entrevista. Qual a sua opinião sobre a avaliação do ministro do Interior francês, Nicolas Sarkozy, de que os distúrbios são "perfeitamente organizados"?

Bobagem, absurdo, besteira. Isso mostra não só que ele falhou como ministro do Interior, como agora está tentando encobrir suas falhas inventando uma teoria conspiratória.

Os distúrbios foram desencadeados pela morte de dois garotos, eletrocutados numa subestação de eletricidade.Testemunhas afirmam que a polícia empurrou os garotos para a morte. Mas o relatório da polícia conta uma história diferente. Como deveria ser a atividade policial nesses bairros convulsionados?

Essas áreas enfrentam batidas policiais diárias. Na maioria dos casos, a polícia está lá para controlar os jovens norte-africanos. Os suspeitos são humilhados, detidos em postos policiais por quatro horas e depois soltos. Os garotos mortos foram apanhados numa dessas batidas. Ainda se estava no Ramadã (o mês sagrado dos muçulmanos) naquele dia, por volta das 16 horas, e eles estavam em jejum até aquela hora. Eles queriam apenas comer sua primeira refeição ao anoitecer sem ter de passar quatro horas detidos. Foi por isso que fugiram.

O sr. não acredita no relatório da polícia de que os garotos não foram perseguidos?

O que querem dizer com perseguido? Era uma batida policial. Os garotos queriam evitar a inspeção, por isso, correram, e a polícia correu atrás deles.

O sr. considera a ação policial nesses bairros um problema fundamental?

Sim. Desde que Sarkozy desmontou a política de usar agentes policiais vinculados com esses bairros. Agora, tudo que Sarkozy faz é enviar unidades especiais que inspecionam todos. Isso criou ali um sentimento de desconfiança e controle que, combinado com o alto desemprego e o racismo policial pode gerar uma força explosiva.

O sr. é uma figura simbólica dos tumultos estudantis de Paris de 1968. Consegue compreender por que esses jovens estão expressando suas frustrações e descontentamentos na forma de violência de rua?

A violência é um fato da vida nesses subúrbios. Nesse quadro, o ministro do Interior aparece e diz: "Vou limpar isso, e quem se opuser a mim eu arrebento. Alguém tem coragem de me enfrentar?" Claro, há muitos jovens por ali que já vivem num ambiente violento que vão dizer: "Sim, temos coragem e vamos lhe mostrar."

O sr. está se referindo à estratégia de tolerância zero de Sarkozy. Mas o governo tem dito também que quer estabelecer um diálogo.. .

Depois, claro! A situação dos subúrbios pobres é altamente volátil há anos. Basta um incidente para atear um incêndio. Aí a mídia sensacionalista exibe as primeiras explosões de violência, ou tros jovens vêem as histórias e se encorajam para fazer a mesma coisa. Foi uma situação similar na década de 1960. Um protesto em Hamburgo ou Berlim desencadeava outro em Frankfurt. Trata-se de um fenômeno bastante conhecido.

Os sociólogos temem que a violência se radicalize ainda mais. Alguns jovens manifestantes dizem que "é apenas o começo". O sr. acredita que a situação possa se deteriorar?

Essas coisas geralmente terminam tão rapidamente como começam. Ninguém pode prever como ou quando isso acontecerá.

O presidente Jacques Chirac e o primeiro-ministro Dominique de Villepin anunciaram um plano de ação para dar emprego aos jovens. O que o sr. acha disso?

Eles já tiveram 1.783 planos de ação. O problema não é tão fácil de resolver. Primeiro, eles precisam resolver o problema do gueto. Eles precisam resolver o problema do desemprego da juventude. Há famílias que não conhecem nada além de desemprego por duas gerações. Além disso, ao longo dos anos, se estabeleceram gangues e o tráfico de drogas nesses bairros. Isso não se resolverá tão cedo.

O que poderia ser resolvido de forma emergencial?

Uma estratégia de policiamento totalmente diferente.Algumas cidades já têm mediadores que estão tentando desanuviar aos poucos o ambiente. Mas isso requer uma disposição considerável de autocrítica por parte da polícia. Para esses agentes que acham que a única maneira de lidar com a violência é reprimi-la com rigor crescente, eu ofereço este conselho: este é um jogo perigoso de gato e rato. Precisamos de uma estratégia de longo prazo que não apenas reduza o desemprego, mas também incorpore esses jovens na sociedade.