Título: EUA querem Brasil como aliado contra populismo
Autor: Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/11/2005, Nacional, p. A4

Visão americana aposta que as aventuras esquerdistas na região operam contra o interesse brasileiro

WASHINGTON - A disposição francamente positiva que o presidente George W. Bush dedicou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao Brasil, na entrevista exclusiva que o Estado publicou ontem, reflete um cálculo que pode parecer surpreendente, partindo de um líder que tende a ver o mundo por uma moldura maniqueísta, dividido entre amigos e inimigos, engalfinhados numa batalha interminável entre o bem (os EUA e seus aliados) e o mal (o terrorismo internacional e todos os não-amigos). Bush reflete uma visão estratégica que identifica em Lula e no Brasil um aliado eficaz, no momento em que o hemisfério enfrenta o desafio de provar que a democracia formal pode trazer benefícios aos povos da região, contrapondo-se às opções populistas na Venezuela, na Bolívia e em outros países. Mais do que impedir que Lula derive pelo mesmo caminho, os EUA querem que ele ajude a bloquear as aventuras populistas.

A Casa Branca aposta que as idéias incendiárias de Hugo Chávez e Evo Morales colidem com os interesses do Brasil na região. O exemplo mais citado é o da Petrobrás, que tem investidos cerca de 15% do PIB na Bolívia, mas enfrenta o populista Morales, que quer nacionalizar a exploração de gás - e, junto, os negócios locais da Petrobrás.

Washington vê as incursões mais ousadas da diplomacia lulista com a mesma generosidade que os mais velhos dedicam a adolescentes impetuosos. Quando Lula disse que a aproximação com a China mudaria a geografia mundial, funcionários dos EUA lembraram que Pequim consulta Washington antes de consultar Brasília.

Em outros casos, os EUA tiveram reações mais cortantes. Este ano, quando Lula submeteu a teste a proclamada liderança brasileira na América do Sul e lançou o economista João Sayad como candidato oficial à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento, a Casa Branca agiu sem alarde para assegurar a eleição de seu candidato, o colombiano Luis Alberto Moreno.

A despeito das trombadas e da frustração dos americanos com a falta de continuidade das iniciativas bilaterais, a Casa Branca quer manter um tom positivo nas relações. É o oposto do que a ultradireita americana, tão próxima de Bush, tentou quando Lula consolidou seu favoritismo nas pesquisas. Alarmados, deputados republicanos pediram a Bush que tomasse providências para impedir o aparecimento nas Américas de um segundo eixo do mal, integrado por Lula e seus amigos Hugo Chávez e Fidel Castro.

Para desgosto da ultradireita americana e da esquerda ortodoxa do PT, essa visão apocalíptica perdeu o debate interno. Prevaleceu a análise serena de diplomatas profissionais, que vêem o mundo em sua complexidade e conhecem bem o Brasil, e executivos de negócios com interesses no País.