Título: Lula vai à Cúpula das Américas constrangido com elogio de Bush
Autor: Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/11/2005, Nacional, p. A4

Esquerda prepara manifestações em Mar del Plata contra presidente americano, que disse ter afinidades com o brasileiro

BRASÍLIA - O governo brasileiro reagiu com cautela e certo constrangimento aos elogios que o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, dirigiu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista publicada ontem pelo Estado, Bush - que no fim de semana fará uma visita oficial a Brasília - disse ter boa relação com Lula e considerou que o empenho do brasileiro é vital para a consolidação da democracia na América Latina. As declarações de Bush provocaram euforia em determinados setores do governo, entre eles o Itamaraty. O Palácio do Planalto, no entanto, preferiu não demonstrar muita animação para não contrariar segmentos de esquerda que são aliados históricos do PT e vêem o presidente dos EUA como a encarnação do imperialismo.

O ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, procurou ressaltar os aspectos positivos dos comentários de Bush, sem deixar de registrar que os dois países têm suas diferenças e a atitude do Brasil em relação aos Estados Unidos é de independência. "O fato de Bush vir aqui indica a importância do Brasil na visão dos norte-americanos e a importância do presidente Lula neste cenário", disse o ministro. "Os dois países têm divergências em alguns pontos, como em relação à Venezuela, mas também as opiniões de ambos são respeitadas pelos dois lados."

A principal preocupação do governo brasileiro são as críticas que seus aliados internos farão a Bush, durante sua passagem por Brasília. No domingo, a capital será palco de um protesto contra o presidente dos EUA e o ato terá a participação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Movimento dos Sem-Terra (MST) e da União Nacional dos Estudantes (UNE), aliados do governo.

De acordo com Wagner, manifestações dessa natureza são legítimas e "fazem parte do jogo democrático". De qualquer forma, a visita de Bush é encarada no Planalto como uma cortesia, cuja importância não deveria ser reduzida pelos protestos. "Bush vem representando um país e deve ser respeitado", disse o ministro, que na sexta-feira acompanhará Lula a Mar del Plata, na Argentina, onde se realizará a reunião da Cúpula das Américas. O evento servirá como uma prévia da conversa que Lula e Bush terão dois dias depois em Brasília.

NO CONGRESSO

As declarações de Bush ao Estado também provocaram repercussão entre os parlamentares. O deputado Paulo Delgado (PT-MG) avaliou que a visita a Brasília deveria servir para que Lula apontasse a inconveniência da política americana para o Oriente Médio.

"Já que Bush diz que o Brasil é importante, é também importante que leve em conta a opinião do Brasil sobre o Oriente Médio", disse Delgado. "Brasil e EUA são países aliados, mas concorrentes, e com uma diferença fundamental: os EUA têm uma política expansionista e um conceito de democracia muito próprio, enquanto o Brasil tem tradição pacifista."

Já o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), disse que Lula e Bush têm pontos em comum. "Ambos não estão bem em índices de popularidade e têm gosto pela guerra. Só que enquanto Bush faz guerra com o Iraque, o presidente Lula guerreia contra a sociedade brasileira", afirmou.

Divergente da política externa de Lula, o líder do PSDB defendeu a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), projeto que enfrenta resistência do governo brasileiro. "Prefiro mais aproximação com o norte e menos ilusão com o sul. Prefiro as democracias à perda de tempo com ditaduras", declarou o senador, citando a proximidade de Lula com dirigentes de países como Cuba e Gabão.

O senador Jefferson Peres (PDT-AM), minimizou as declarações de Bush. "Não acredito que expressem a opinião verdadeira do Bush. Acho que é algo protocolar feito pela assessoria", disse.