Título: O STF e o caso Dirceu
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/11/2005, Notas e Informações, p. A3

Partindo da premissa de que a esperança é a última que morre e valendo-se de um dos princípios constitutivos do Estado democrático de direito - o direito de espernear -, os advogados do deputado José Dirceu vêm fazendo o que sabem e mais alguma coisa para que o impossível aconteça: o seu cliente livrar-se da cassação. Nada, nada, já conseguiram, indiretamente, que a decisão final, dos seus pares, em plenário, fosse transferida da próxima quarta-feira, como previsto, para duas semanas adiante. Antes, eles se pronunciarão sobre os dois processos que passaram à frente: contra os deputados Sandro Mabel, absolvido no Conselho de Ética da Câmara, e Romeu Queiroz. Tempo é tudo a que o acusado e seus patronos aspiram, na expectativa do imponderável, já que não podem contar mais com o seu contrário - o esgotamento do prazo regimental dos trabalhos do Conselho de Ética, prorrogado anteontem por 45 dias. Ganhar tempo é o objetivo último embutido na alegação de que as iniciativas junto ao STF visam exclusivamente a assegurar a integridade do devido processo legal. Mas tão repetitivas e não raro incoerentes são elas que o seu caráter chicaneiro se torna indisfarçável.

Prova do estratagema de atirar em todas as direções são as tentativas simultâneas de retardar os procedimentos do Conselho, e de acabar com o próprio processo. Na primeira frente, graças ao que o relator da matéria, Júlio Delgado, chamou apropriadamente "decisão monocrática" - a liminar concedida pelo ministro Eros Grau, do STF, para que o parlamentar expurgasse do seu parecer dados sigilosos obtidos pela CPI dos Correios -, a defesa logrou que fosse anulada a votação em que a cassação de Dirceu havia sido aprovada por 13 a 1. (Não conseguiu, porém, a sustação do processo.)

O relator refez e tornou a ler no Conselho o parecer e nova votação foi marcada, em princípio para amanhã, depois que a solitária deputada petista no colegiado pediu - pela segunda vez - vistas do texto, ganhando com isso outros dois dias. Mas, para os advogados, isso não basta: querem que o Supremo faça tudo voltar à estaca zero (anterior a 5 de outubro, quando o Conselho recebeu o material da CPI) porque tudo o que se lhe seguiu seriam "frutos de uma árvore venenosa", como escreveu Eros Grau ao conceder a liminar.

Na segunda frente, pretendem que o STF invalide a decisão tomada por aclamação pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, segundo a qual o fato de o PTB haver retirado o pedido de processo contra Dirceu, depois de aberto, não impede que siga o seu curso. Com a retirada, contesta a defesa inconvincentemente, a ação se extinguiria por si só.

A liminar do ministro Grau e as novas manobras protelatórias anunciadas levaram integrantes do Conselho a sugerir que o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, se manifestasse contra a "interferência" do Supremo no Legislativo - o que ele se recusou a fazer. Na realidade, o problema não é bem esse. Na sua única manifestação até aqui, o pleno do STF rechaçou por 7 a 3 a liminar argüindo que Dirceu não poderia ser acusado de ofensa ao decoro parlamentar porque era ministro quando ocorreram os ilícitos dos quais, de resto, se diz inocente.

O que há, portanto, é um ministro do mais alto tribunal brasileiro - de quem se esperaria que se declarasse impedido, em virtude das suas relações pessoais com o deputado - dando ensejo à verdadeira indústria de liminares operada pelos advogados do réu. Enquanto isso, o STF como um todo não se pronunciou nem sobre o mérito do mandado de segurança que invocou o antigo status ministerial de Dirceu, nem tampouco sobre o mérito do mandado que considerou viciado o parecer contra ele.

Para o relator, a decisão de Grau "traz à tona velhas discussões a respeito do critério constitucional de investidura no cargo de ministro da Suprema Corte e a suposta parcialidade que dele pode advir nas decisões de cunho político-ideológico". Mais do que isso, traz à tona o problema dos procedimentos instituídos no STF. Contraria o mero bom senso - e a adequada administração da Justiça - que uma questão da relevância desse processo parlamentar possa ficar por tempo a rigor indeterminado nas mãos de um único magistrado. Mesmo que se tratasse de alguém sobre cuja isenção não pudesse pairar dúvida.