Título: Fracasso na OMC vai prejudicar países emergentes, alerta Lamy
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/11/2005, Economia & Negócios, p. B4

Diretor-geral da organização diz que países ricos podem elevar subsídios agrícolas em US$ 57 bilhões

GENEBRA - O fracasso das negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) pode ser ¿cruel¿ para os países emergentes e poderia significar até mesmo um aumento dos subsídios agrícolas pelos países ricos. O alerta foi feito ontem pelo diretor-geral da entidade máxima do comércio, Pascal Lamy. Ele admitiu que, sem novas regras, o valor dos subsídios poderia subir US$ 57 bilhões nos Estados Unidos, Japão, Canadá e União Européia (UE) sem que uma lei sequer da OMC fosse violada. Em um discurso ontem na OMC, Lamy deu indicações de que países como Brasil, Estados Unidos e Índia devem considerar a proposta feita pelos europeus há uma semana no que se refere aos cortes de tarifas agrícolas. ¿Não podemos estar numa situação de pegar ou largar.¿ Ele diz que ¿propostas sérias¿ estão sobre a mesa e pede flexibilidade de todos. Bruxelas sugeriu um corte médio de 46% nas tarifas, o que foi considerado insuficiente para economias emergentes e para os EUA.

Na segunda-feira, os ministros dos principais atores nas negociações, entre eles o chanceler Celso Amorim, voltam a se reunir para tentar superar as diferenças, a pouco mais de um mês do início da conferência ministerial da OMC em Hong Kong. O encontro no fim do ano tem como objetivo fechar um acordo sobre o ritmo da liberalização dos mercados, mas as diferenças entre os países ainda são grandes.

Para Lamy, as propostas indicam que a ambição das negociações pode ser mantida. Segundo ele, o que está em debate na agricultura, ainda que conservador, já é duas vezes mais do que o obtido na Rodada Uruguai, concluída nos anos 90. ¿Se fracassarmos em avançar as negociações agora e concluir a rodada em 2006, perderemos a oportunidade na agricultura.¿

Um dos principais obstáculos nesse momento é a exigência da Europa em conseguir que países em desenvolvimento, como o Brasil, abram seus mercados para produtos industriais e serviços em troca de ganhos na área agrícola.

Em seu discurso ontem, Lamy não atacou as condicionantes européias e apenas pediu que a contribuição de todos os países para o processo. ¿Precisamos mostrar que estão dispostos a conversar para chegar a um meio termo. Deve haver barganhas. Não é hora de propostas tipo `tomar ou deixar¿. É preciso flexibilidade, ambição e coragem política. Todas as áreas devem avançar.¿

¿Um fracasso neste momento terá um impacto negativo no futuro do sistema comercial e na economia mundial¿, disse ele. ¿Precisamos da rodada para promover o desenvolvimento econômico e para contribuir com o combate a pobreza. Os resultados da rodada significarão mais crescimento e desenvolvimento e a não conclusão da rodada significará menos crescimento e menos desenvolvimento¿, afirmou Lamy. Em sua avaliação, o preço por não terminar a rodada seria alto.

¿Todos perderiam, mas os países em desenvolvimento perderiam mais diante da falta de reforma no setor agrícola dos países ricos. Isso significaria que a situação atual permaneceria ou poderia até piorar¿, alertou. ¿A realidade é que, sem a Rodada Doha, os países ricos poderiam até mesmo aumentar as distorções que são uma praga no sistema comercial agrícola.¿ Sem novas reformas, os Estados Unidos poderiam dar outros US$ 5 bilhões em subsídios, além de outros US$ 25 bilhões da parte da UE, outros US$ 25 bilhões da parte do Japão e US$ 2 bilhões do Canadá.

No setor de bens industriais, Lamy entende que a rodada poderia eliminar picos tarifários nos países ricos, criando novos mercados para os países ricos e pobres. Sem a rodada, as perdas para a economia mundial ficariam entre US$ 50 bilhões e US$ 250 bilhões.

Numa cerimônia em homenagem ao ex-diretor do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), Arthur Dunkel, falecido há poucos meses, Lamy lembrou que hoje é raro ver alguém convencido de que as barreiras comerciais são más. Ele também destacou que, como nos anos 90, o medo de mudanças também permeia negociações.

O diretor não deixa de destacar que a grande diferença entre a Rodada Uruguai e a Rodada Doha é a participação dos países em desenvolvimento. ¿O G-20 mudou os parâmetros da cena de negociações¿, afirmou Lamy. Ele reconheceu que o bloco deu nova dinâmica e nova liderança aos países emergentes.