Título: Para BID, País decola se resolver crise política
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/11/2005, Economia & Negócios, p. B5

Calvo, economista-chefe, não prevê disparada nos juros nos EUA; para ele, risco maior seria a continuidade da queda das taxas

Fernando Dantas

O economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o argentino Guillermo Calvo, está otimista com a economia latino-americana. Ao contrário de muitos especialistas, ele não vê risco de alta das taxas de juros americanas e internacionais de longo prazo. A alta global dos juros é considerada o principal risco para países ainda dependentes de fluxos externos, como Brasil e Argentina. Para Calvo, o pior cenário - que não considera provável - para a economia mundial seria caminhar para a deflação e para juros ainda mais baixos, e não para inflação e taxas mais elevadas.

Calvo acha curioso que a Argentina de hoje, que faz superávits fiscais primários maiores do que em qualquer outro momento da sua história, seja vista como um país com política econômica populista. "Hoje a Argentina está mais próxima do Consenso de Washington do que nos anos 90", ele ironiza.

Calvo é conhecido como um dos mais importantes estudiosos de problemas típicos das economias latino-americanas, como dolarização, turbulências cambiais e o corte abrupto do fluxo de capitais externos. O economista chega ao Brasil no domingo, onde fica até quarta-feira. Na segunda, ele participa de um seminário no Rio, sobre dinamização do crédito. Da sede do BID em Washington, o economista, falou com o Estado por telefone, na sexta-feira.

O sr. acha que o cenário internacional pode piorar para os países latino-americanos?

Há dois fatores para o cenário positivo que prevaleceu nos últimos anos. Um é o comércio internacional, e o outro são as baixas taxas de juros de longo prazo. O impulso ao comércio da China vai continuar, não vejo grandes problemas por aí. Na questão dos juros, diversos economistas, como o Paul Krugmann, estão preocupados com uma disparada das taxas de juros americanas se a China parar de aumentar suas reservas comprando títulos do governo dos Estados Unidos. Eu não estou preocupado com isto. Na verdade, estou preocupado com a possibilidade de os juros caírem mais, já que há um excesso de poupança em relação aos investimentos no mundo, o que pressiona as taxas de juro para baixo. Isto poderia levar à deflação. De qualquer forma, com os juros baixos, a América Latina continuará sendo uma oportunidade para os investidores, que ficará aberta pelo menos por todo o ano de 2006.

Mas a percepção geral não é de que os juros americanos de longo prazo estão baixos demais?

Quando se analisa historiamente, o nível da taxa americana de juros de longo prazo é comparável com a dos anos 60. O mercado está mais e mais convencido de que a inflação não será um problema no futuro, já que os Estados Unidos têm tido sucesso nisto há vários anos. As taxas de juros longas baixas refletem justamente esta expectativa sobre a inflação.

Como os sr. vê, neste contexto, a nomeação de Ben Bernanke para novo presidente do Fed, no lugar de Alan Greenspan?

Acho que vai no mesmo sentido do que já disse. O fato de que Bernanke seja um defensor do regime de metas de inflação deixa claro que controlar a inflação vai ser o seu objetivo número um. Além disso, nesta fase inicial ele terá de estabelecer a sua credibilidade, e se a inflação subir em 2006 será um grande problema para ele. Por isto, neste começo, ele será antes de tudo um combatente da inflação.

Como o sr. vê a atual situação econômica do Brasil?

Me chama a atenção que a economia esteja crescendo e não tenha sido atingida pelos problemas políticos. É uma situação nova, que reflete a forte política fiscal, somada ao fato de que a situação internacional é muito favorável. Se a situação política se estabilizar, o Brasil está numa ótima posição para decolar.

Mas o sr. acha que o Brasil ainda tem vulnerabilidades?

Certamente. O lado fraco é a dívida pública atrelada às taxas 'overnight'. Se houvesse um desastre externo e as taxas de juros internacionais disparassem - o que, como já disse, considero muito improvável - o Brasil passaria por um stress.

O sr. acha que a política econômica da Argentina está correta?. Muitos consideram que o presidente Néstor Kirchner adota o populismo.

A Argentina já recuperou-se ao nível de produção de 1998, a recessão acabou e o nível de utilização da capacidade está quase esgotado. O país depende agora, portanto, de investimento, o que é um desafio, porque ele ainda está bem abaixo de 20% do PIB. Como a Argentina não poupa muito, a única forma realista parece ser a de aumentar o investimento externo. As negociações com as firmas privatizadas não estão caminhando de forma muito tranqüila, e os investidores não sabem se a Argentina vai jogar ou não pelas regras do jogo de uma economia de mercado. Eles estão esperando sinais mais claros. Por outro lado, a política fiscal é muito cautelosa, e nunca vimos na Argentina superávits primários tão grandes. Neste sentido, hoje a Argentina está mais próxima do Consenso de Washington do que nos anos 90.

Mas a inflação não é um risco na Argentina?

Acho que a subida foi uma conseqüência natural da manutenção do câmbio em 3 pesos por dólar, quando a tendência seria uma valorização na esteira da recuperação da economia. Isto afeta os preços, mas acho que é mais uma mudança de nível, que se esgota quando o processo acabar, do que pressão inflacionária. Com a política fiscal rígida da Argentina, não há fontes para a inflação. Mas se continuar a subir, eles vão elevar os os juros, e a inflação vai ser controlada.

Com os juros baixos, a América Latina continuará sendo uma oportunidade para os investidores.¿¿

Se a situação política se estabilizar, o Brasil está

numa ótima posição para decolar.¿¿

Os investidores não

sabem se a Argentina vai jogar ou não pelas regras do jogo de uma economia de mercado.¿¿