Título: Emprego formal cresce, mas 91,2% das novas vagas são de até 2 mínimos
Autor: Marcelo Rehder
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/11/2005, Economia & Negocios, p. B3

Só neste ano, foram fechados 141,5 mil postos com carteira assinada cuja remuneração é superior a 3 salários mínimos

O SALÁRIO EM NÚMEROS

1,408 milhão é a quantidade de empregos formais abertos este ano em todo o País até setembro.

91,2%

das vagas abertas não pagam mais que dois salários mínimos.

141,5

mil é o número de postos

fechados neste ano cuja

remuneração era superior a três salários mínimos.

80%

dos postos de trabalho formais

criados este ano na indústria são do chamado "chão de fábrica", os que recebem menos.

R$ 800

é o número ao redor do qual gira a média salarial do País hoje.

De cada dez empregos formais criados este ano, nove têm remuneração de até dois salários mínimos. Entre janeiro e setembro, 1,408 milhão de postos de trabalho com carteira assinada foram abertos em todo o País. Desse total, 1,284 milhão não pagam mais que R$ 600 por mês, correspondendo a 91,2% do saldo de vagas abertas no período. Nos 124 mil restantes, a remuneração varia de dois a três salários mínimos.

Os números são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego, e mostram ainda que as novas ocupações de salários mais baixos vêm substituindo empregos que pagam mais. Só neste ano, foram fechadas 141,5 mil vagas formais com remuneração superior a três salários mínimos.

"O Brasil se especializou na criação de empregos de baixos salários ", diz o economista Márcio Pochmann, pesquisador do Centro de Estudos de Economia Sindical e do Trabalho (Cesit), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autor do estudo sobre o perfil da remuneração do emprego formal no Brasil.

As contratações com carteira assinada vêm aumentando no País desde 1999, quando o real foi desvalorizado, mas ganharam força nos últimos três anos. "O problema, agora, é que os salários não são decentes", afirma Pochmann.

Essa situação ajuda a entender porque a economia não cresce de forma mais robusta e sustentada. O mercado interno ainda exibe um desempenho fraco, porque o ritmo de expansão da massa de salários, principal indicador da capacidade de consumo da população, é ditado apenas pela ampliação da oferta de empregos.

Para o economista, o atual processo de achatamento salarial decorre do próprio modelo de crescimento do País, baseado principalmente na exportação de produtos de baixo valor agregado e pouco conteúdo tecnológico, o que, segundo ele, pressupõe remuneração deprimida do trabalho. Para piorar, o câmbio desfavorável às exportações, os juros altos e a carga tributária levam cada vez mais empresas a cortarem custos com mão-de-obra.

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado Armando Monteiro Neto (PTB-PE), diz que os salários vêm passando por um processo de redução nos últimos anos, mas nem por isso considera dois salários mínimos baixa remuneração. Segundo ele, a média salarial no País hoje está ao redor de R$ 800.

"O valor médio dos salários caiu nos últimos dois, três anos, em decorrência da pressão competitiva de querer reduzir custos, o que em alguns setores é um movimento importante até na direção da formalização. Em outros, é redução de custos".

O metalúrgico Edson Pereira da Silva, de 31 anos, já sentiu isso no bolso. Depois de quase um ano e meio desempregado, Edson foi contratado, há pouco mais de um mês, para o cargo de auxiliar de estoque na Metalúrgica Igpecograph, fabricante de lataria de automóveis em Diadema, no ABC Paulista. O problema é que terá remuneração de R$ 700 mensais, valor que corresponde a menos da metade do que recebia no emprego anterior. Ele trabalhou dez anos na Metalúrgica Proema, que produz barras de direção em São Bernardo do Campo, também no ABC. Seu último salário como preparador de máquinas na Proema foi de R$ 1.450, em abril do ano passado.

"No primeiro momento, fiquei bastante aliviado e contente por ter conseguido um novo emprego com carteira assinada. Mas, quando recebi o primeiro salário, senti um impacto e vi que não voltaria tão cedo a ter o mesmo padrão de gastos que tinha no último emprego". Pai de um casal de filhos, Edson viveu de "bicos" no período em que ficou desempregado.

ROTATIVIDADE

O drama do metalúrgico é o mesmo de milhares de brasileiros, o que mobiliza os sindicalistas. Para João Felício, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a questão principal é a alta rotatividade da mão-de-obra. Segundo ele, o processo de substituição de funcionários com salários mais altos por outros ganhando menos se acentuou com o aperto da política monetária e fiscal nos últimos anos.

"Como existe no mercado um número grande de desempregados dispostos a aceitar qualquer coisa, as empresas, principalmente as pequenas e médias, que são as que mais empregam no País, aproveitam para reduzir os custos de mão-de-obra", diz Felício. Para ele, a melhor forma de distribuir a renda é criando espaço para o crescimento econômico, o que passa por uma reforma tributária que desonere a produção.

O presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), Cláudio Vaz, nega que as empresas do setor estejam aplicando a rotatividade para reduzir custos. "Não conheço um caso sequer", afirma. Ele explica que mais de 80% dos postos de trabalho criados pela indústria nos últimos dois anos são de "chão de fábrica", cuja remuneração não é das mais altas . "Estamos falando de operadores de máquinas, montadores, pessoal ligado à produção, que foi reforçada para atender ao aumento das exportações e das linhas beneficiadas pelo crédito consignado".

Os dados do Caged indicam que, na faixa acima de três salários mínimos, as contratações superaram as demissões apenas em dois setores: administração pública (saldo de 9.954 postos) e extrativismo mineral (1.930).