Título: Bush elogia Brasil e critica vizinhos que jogam com o medo
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/11/2005, Nacional, p. A4

Presidente americano põe o País ao lado dos EUA na promoção da democracia na região e alfineta Venezuela e Argentina

O presidente George W. Bush reiterou ontem a importância que os EUA atribuem às relações com o Brasil na promoção da democracia e do desenvolvimento econômico e social da região. Num discurso de 21 minutos no Hotel Blue Tree, no qual resumiu a mensagem política de sua visita à América do Sul diante de uma platéia de convidados da embaixada americana, o líder americano disse que "assegurar a justiça social nas Américas requer uma escolha entre duas visões diferentes". Segundo Bush, uma delas, na qual ele inclui o Brasil, "oferece uma visão de esperança, fundada no governo representativo, na integração na comunidade mundial e na crença no poder de transformação das liberdades na vida dos indivíduos".

A segunda visão "quer reverter os progressos democráticos das duas últimas décadas, jogando com o medo, colocando vizinho contra vizinho e culpando outros por suas próprias falhas em atender seus povos", disse Bush, numa referência velada que serve tanto para Hugo Chávez, da Venezuela, como a Néstor Kirchner, da Argentina.

A única surpresa da visita de Bush ocorreu horas antes. Depois de reunir-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Bush fez avaliação mais honesta que um líder americano já apresentou sobre as dificuldades para criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), um projeto co-presidido por Brasil e EUA que, até agora, só andou para trás.

RECONHECIMENTO

Refletindo o que ouvira do líder brasileiro um dia depois do embaraçoso fracasso da 4.ª Cúpula das Américas, provocado pelas divergências do Mercosul e da Venezuela com os demais países sobre a conveniência de retomada das negociações do acordo regional, congeladas desde fevereiro do ano passado, o presidente americano reconheceu que os obstáculos para o sucesso das conversações não residem apenas na resistência do Brasil e de outros países à idéia, mas à forte oposição que a Alca provoca nos próprios Estados Unidos.

"É importante que o povo brasileiro compreenda que esse acordo não acontecerá se o presidente Lula pensar que ele não é do interesse do povo (brasileiro)", afirmou, numa frase que pode ser entendida como uma conclamação à ação daqueles que consideram a Alca vantajosa. Bush admitiu em seguida que a conversa no Torto não produziu nenhum progresso sobre o tema.

O presidente norte-americano ensaiou dizer que tinha de convencer Lula sobre as virtudes de um acordo hemisférico de liberalização comercial, mas parou no meio da frase. "Ele precisa ser convencido, da mesma forma que o povo dos Estados Unidos precisa ser convencido de que um acordo de comércio em nosso hemisfério é bom para o emprego, é bom para a qualidade de vida."

FORMATO

A mudança do formato inicialmente previsto para a reunião de trabalho no Torto e as as declarações dos dois líderes indicam que a conversa foi franca e substantiva. O encontro entre os dois presidentes e respectivos ministros das Relações Exteriores e assessores de segurança, previsto para durar meia hora, acabou se estendendo por uma hora e meia.

Ambos disseram que trabalharão juntos para o progresso da Rodada de Doha na reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio, no mês que vem em Hong Kong, que é a condição do Brasil para a retomada das negociações da Alca.

As posições do Brasil e dos EUA são mais próximas hoje em relação à dificuldade central dessas negociações - a redução dos subsídios agrícolas - do que a que ambos os países enfrentam com a União Européia e especialmente a França, que resistem a melhorar suas ofertas de redução de subsídios.