Título: Cúpula acaba sem Alca e sem vencedores
Autor: Isabel Sobral
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/11/2005, Nacional, p. A8

Encontro encerrou-se com a polarização das posições dos EUA e aliados, de um lado, e do Mercosul e da Venezuela, de outro

Mesmo com os cantos de vitória do Mercosul e de seu mais novo "mosqueteiro", Hugo Chávez, da Venezuela, nenhum país ou frente saiu ganhando dos debates travados na 4.ª Cúpula das Américas, encerrada no sábado no balneário argentino de Mar del Plata. O encontro acabou dominado pelas divergências sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), sem a definição clara de que haverá uma quinta edição, e com o desgaste de relações entre latino-americanos, que poderiam, neste momento, avançar sem obstáculos. Em paralelo à "morte" da Alca, tornou-se evidente o isolamento do Mercosul e da Venezuela, que deverá tornar-se o seu quinto sócio pleno no mês que vem. As discussões sobre o parágrafo 19 da declaração final, que tratava da Alca, foram arrastadas até o início da noite de sábado, quando os presidentes já haviam debandado da região.

Para evitar a ausência da declaração e mascarar o desastre do encontro, a solução foi mencionar as duas posições em confronto. Ou seja, o documento final ressaltou a ausência de consenso entre os 34 países e a polarização das posições dos EUA e aliados, de um lado, e do Mercosul e da Venezuela, de outro.

Com isso, a Cúpula das Américas deixou claro o quanto a Alca é decisiva no hemisfério. As questões relacionadas ao trabalho e a seu tópico mais polêmico, a emigração, já haviam sido solucionadas antes das três sessões de encontros presidenciais e, no documento, foram fechadas a bom termo. A desculpa do presidente Lula de que a Alca poderia "atrapalhar" os próximos lances na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio, a prioridade do Brasil na área comercial, assumiu o contorno "ideológico" que ele mesmo havia condenado nas discussões sobre integração.

Nem Lula nem seu ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, fizeram ressalvas às negociações entre o Mercosul e a União Européia, que Bruxelas pretende concluir em 2006. Tampouco se contrapuseram à reunião entre os chefes de Estado dos dois blocos em paralelo à Cimeira União Européia-América Latina, em Viena, em maio de 2006, embora tenham sido contrários a uma conferência ministerial da Alca em abril ou em qualquer outra data.

Chávez e o anfitrião da Cúpula das Américas, Néstor Kirchner, da Argentina, destacaram-se na defesa das posições contrárias do Mercosul a um compromisso dos 34 países com a retomada das negociações da Alca, estagnadas há 20 meses. Houve, porém, amplo apoio do governo brasileiro - que adotou um perfil mais discreto por conta da visita de George W.Bush, ontem, a Brasília -, do Uruguai e do Paraguai.

Mais explícito e irreverente, Chávez desembarcou em Mar del Plata, na última quinta-feira, certo de que contribuiria para "enterrar" a Alca e disposto a cravar, em seu lugar, a Alternativa Bolivariana das Américas (Alba), projeto que "pariu" com Fidel Castro, de Cuba. Teve êxito apenas no primeiro objetivo. Mas igualmente amargou o fato de a Alca não ter sido invocada nos debates e de não ter recebido nenhum apoio público.

"Fomos os cinco mosqueteiros, com os joelhos no chão e com boa esgrima. Triunfamos no duelo. E Néstor Kirchner foi o Dartagnan", celebrou, referindo-se aos personagens do clássico de Alexandre Dumas, Os Três Mosqueteiros. "O grande derrotado foi Bush e, por isso, foi embora antecipadamente", completou, entre as risadas de seus ministros, segundo o jornal argentino Clarín.