Título: 'O que queremos é trabalhar e praticar esportes'
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/11/2005, Internacional, p. A12

Jovens rebeldes dos subúrbios de Paris atribuem sua revolta à discriminação

Um grupo de jovens de cerca de 20 anos de La Corneuve, subúrbio de Paris, se aproxima dos jornalistas. Um deles, de calça jeans e blusão, inicia a conversa. "Queremos trabalhar, fazer esportes, nos divertir , como todo jovem de Paris, mas ele (o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy) insiste em mandar a polícia contra nós", diz o rapaz, acrescentando: "Esta aí a nossa resposta." Os nomes deles são os mesmos da grande maioria dos filhos da imigração: Ahmed, Samir, Yazid... São franceses de ascendência magrebina, de segunda e terceira geração.

Um jovem morador de Bondy, outra cidade, não hesita em afirmar: "Não me sinto em meu país. Sou visto como estrangeiro e eu mesmo acabo não me reconhecendo na forma de me vestir e no jeito de falar, quando vou a Paris nos fins de semana."

Os jovens rebelados dizem que há exageros de ambas as partes. De um lado, o governo e sua polícia perseguindo os dois jovens que morreram eletrocutados numa caixa de força e o abuso verbal do ministro (ler ao lado); de outro, a responsabilidade dos rebelados no drama de uma senhora paralítica retirada de um ônibus em chamas. Eles concordam que é preciso pôr um fim nisso. "Não queremos a demissão de Sarkozy, mas emprego e dinheiro para nossas associações recreativas abandonadas. Que ele cumpra sua promessa e pare de mentir."

Sobre o fato de muitos jovens detidos já terem passagens pela polícia, eles reconhecem "ter feito besteiras", como grande parte da juventude que mora nessas "cidades sem alma".

"A falta de perspectiva leva muitos de nós a cometer excessos", diz Yazid, afirmando que se trata de "delitos leves", mas de conseqüências graves. Eles se julgam condenados ao desemprego por toda vida, o que aumenta a marginalidade e a revolta. "Sempre que um de nós é candidato a um emprego é rejeitado por ter se envolvido numa briga ou por qualquer outra coisa ", afirma. "Não há uma segunda chance."

O grupo é unânime em afirmar que a revolta é contra essa situação. Clubes recreativos que não funcionam por falta de eletricidade ou ginásios esportivos cujo funcionamento é interrompido no inverno por falta de verba para aquecimento ou para pagar instrutores. Em compensação, há sempre verba para mandar mais policiais. Choukri, 22 anos, conclui a conversa: "Se Sarkozy decidiu entrar em guerra contra nós ele encontrou o inimigo em Clichy- sous -Bois", a cidade que liderou a revolta.