Título: Modelo francês não resolve o isolamento social
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/11/2005, Internacional, p. A12

Imigrantes pobres são alimentados e abrigados, mas não são integrados

Há dois meses, os franceses acompanharam com fascínio e horror a anarquia em New Orleans, onde pessoas da classe mais desfavorecida saquearam lojas e desafiaram a polícia no rastro do furacão Katrina. Nos últimos dez dias, enquanto manifestantes incendiavam carros e destruíam instalações comerciais nos subúrbios de Paris dominados por imigrantes, as imagens de gangues enfurecidas surgiram como um lembrete indesejado de que a França tem a própria - e crescente - classe desfavorecida.

O paralelo entre os distúrbios nos EUA e na França pode ser revelador - e enganador. O abismo corrosivo entre os brancos americanos e suas minorias raciais, especialmente os negros, é resultado de séculos: a escravidão seguida de ciclos de pobreza e exclusão racial que negaram a gerações o que os EUA podiam oferecer. A França apenas começa a lutar com uma variante muito mais nova do problema: a fúria dos imigrantes islâmicos de origem norte-africana que, há três gerações, se vêem presos numa teia de discriminação étnica e religiosa.

Mas a França ainda está no início do desenvolvimento de uma subclasse estrutural, entrincheirada, capaz de alimentar o extremismo e problemas sociais duradouros. Até agora, embora centenas de carros e ônibus tenham sido queimados e dezenas de lojas destruídas, os manifestantes parecem ser na maioria adolescentes mais dispostos a chegar ao noticiário que a fazer uma declaração política coerente.

"É um jogo de caubóis e índios", disse Olivier Roy, estudioso francês do Islã na Europa. Ele normalmente é enfático ao advertir os europeus para o perigo potencial representado pelos radicais islâmicos que vivem no continente. Mas no caso atual da França, disse Roy, o perigo é de longo prazo. Até agora, explicou, os ataques à polícia e o incêndio de carros lembram menos uma guerra religiosa do que "um esporte local, um rito de passagem".

A violência, por outro lado, reflete algo que qualquer americano que viveu durante os levantes urbanos dos anos 60 ou os choques de 1992 em Los Angeles reconheceria: um perigoso grau de isolamento sentido por um segmento crescente da população.

Embora muitos americanos sintam que seu país ainda tenha muito a fazer para fechar o abismo entre negros e brancos, os levantes urbanos dos anos 60 motivaram uma série de medidas destinadas a aumentar rapidamente as oportunidades políticas e econômicas para os membros das minorias e salientar o valor da diversidade numa democracia.

O modelo francês, em contraste, até agora adotou principalmente medidas dispendiosas para manter os imigrantes pobres alimentados, abrigados e educados, mas não enfrentou efetivamente o isolamento social ou político que eles sentem com a discriminação no trabalho e na habitação, e na verdade limitou sua capacidade de se definir como um grupo político com interesses comuns.