Título: O nome do jogo
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/11/2005, Nacional, p. A6

O que solapa Palocci não é a política econômica, são as denúncias de corrupção Imaginar que o ministro Antonio Palocci possa vir a deixar o governo por causa da política econômica é acreditar que o governo tenha alguma idéia para pôr no lugar, que o presidente Luiz Inácio da Silva saiba qual o novo rumo a tomar e já esteja reunindo um grupo de bem pensantes para executar um plano de vôo alternativo ao herdado da administração anterior.

Como nada disso acontece, resta-nos o óbvio: se cair, Palocci terá sido vítima das denúncias de corrupção que cercam sua gestão na prefeitura de Ribeirão Preto, sua convivência com gente eivada de suspeições e suas atividades no setor financeiro da campanha eleitoral de 2002, sem contar os indícios de tráfico de influência no Ministério da Fazenda.

O governo não gosta que as coisas sejam expostas assim e naturalmente vai preferir alimentar - simulando o oposto, é claro - as versões de que o ministro da Fazenda saiu derrotado de um embate interno com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

De fato, tanto para o ministro quanto para o governo soa bem mais nobre a existência de um debate interno em torno de ações substantivas que a evidência de que seu último bastião moral e gerencial na administração corre sério risco de se esvair pelo mesmo ralo no qual já sumiram José Dirceu, José Genoino, Luiz Gushiken, Silvio Pereira, Delúbio Soares e outras tantas dezenas de atores coadjuvantes desse circo de horrores em cartaz desde maio, só para levar em conta a data da eclosão da última e, parece, definitiva crise.

O presidente Lula faz agora o de sempre: cria uma discussão artificial para evitar discutir o assunto em pauta. Da mesma forma como buscou abrigo na história do caixa 2 quando a questão em foco era o financiamento de partidos em troca de apoio político, o presidente defende seu ministro da Fazenda e sua política econômica dos " ataques da oposição", assegurando que não vai "deixar" ninguém "brincar" com a economia.

Mas quem está falando em economia? Só o PT e os palacianos, justamente os mais cientes de que nada vai mudar naquela área. E não porque não querem, mas porque não sabem como fazer. Nua e crua é desta dimensão a realidade.

O mais faz parte das velhas e batidas manobras diversionistas postas em prática sempre que o inexplicável toma assento na cena principal.

Exemplo clássico é a reforma política, a eterna carta na manga dos momentos de aperto para justificar desvios de toda sorte.

A idéia de dar ao cenário em que o ministro da Fazenda aparece cercado de gente cujo comportamento não autorizaria convite para um batizado acaba alcançando relativo sucesso porque as pessoas, no intuito de parecerem entendidas naquilo que está "por trás" do exposto à vista de todos, preferem ser ludibriadas por "informações de bastidores" do que enxergar a lógica dos fatos.

E esta mostra que se alguém está brincando com alguém, é o governo que não hesita em usar a economia de biombo para esconder o quadro real de seus malfeitos. Pode acabar por desorganizar o único nicho onde as coisas ainda fazem algum sentido na administração federal.

Esse jogo de sombras lembra o início da crise. Ainda na tentativa de dar um colorido ideológico ao horizonte plúmbeo, o senador Aloizio Mercadante fazia um discurso denunciando a intenção dos "neoliberais" de desmoralizar as estatais com as acusações sobre os Correios, quando foi interrompido por Tasso Jereissati: "Senador, não estamos discutindo ideologia, o assunto aqui é corrupção."

Tanto quanto

De vez em quando correligionários do presidente Lula dão notícia de sua irritação com a ausência de autoridade moral de seus críticos. Têm se mostrado particularmente injuriado com o senador Antonio Carlos Magalhães e "aquele neto dele", o deputado ACM Neto, um dos mais ativos CPI-boys.

Ambos devem se sentir donos da mesma moral conferida pelo presidente quando Antonio Carlos e o neto comandavam, um na Câmara, outro no Senado, a dissidência governista no PFL.

Argumento

Os partidários da candidatura Geraldo Alckmin e adversários da opção José Serra dentro do PSDB agora deram para justificar a preferência dizendo que o prefeito de São Paulo não é suficientemente "duro" com o PT, como seria conveniente a um candidato a contraponto de Lula em 2006.

É encostar numa roda de "geraldistas" e ouvir verdadeiros tratados de história recente a respeito das ligações de Serra com petistas perfeitamente integrados às equipes comandadas pelo tucano no passado federal ou no presente municipal.

Entusiasmam-se particularmente quando lembram como o governador de São Paulo "destruiu" as pretensões de José Genoino na disputa pelo cargo na campanha de 2002.

Parceiro

O problema não é Roberto Jefferson dizer que o PT recebeu dinheiro do jogo do bicho e do narcotráfico. Se é leviandade, resolve-se com processo ou desmoralização.

O grave é que soa plausível.