Título: Venezuela e México à beira da ruptura
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/11/2005, Internacional, p. A12

A um passo do rompimento total, os governos de Venezuela e México retiraram ontem seus respectivos embaixadores na Cidade do México e em Caracas, em meio a um tiroteio verbal entre os presidentes Hugo Chávez e Vicente Fox. Com isso, as relações diplomáticas entre os dois países ficam reduzidas ao nível de encarregados de negócios, o pior em várias décadas. Profundamente irritado, o governo mexicano exigiu que a retirada do embaixador venezuelano, Vladimir Villegas, seja definitiva - ele nunca mais poderá ocupar esse posto no México. A rusga entre Chávez e Fox teve início após o fim da reunião de Cúpula das Américas, no começo do mês, em Mar del Plata, na Argentina. Na raiz das farpas entre os dois líderes está a disputa sobre a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), proposta pelos EUA, defendida pelo México, aceita pela maior parte dos países do continente e rejeitada pela Venezuela e pelo Mercosul.

Durante as discussões da cúpula, Fox afirmou que "alguns governos do continente insistem em culpar outros países por seus próprios problemas". O líder mexicano tomou o cuidado de não citar nominalmente nem Chávez, nem o presidente argentino, Néstor Kirchner, prováveis alvos de sua crítica.

Kirchner ficou calado, já Chávez partiu para o ataque. No dia 9, quatro dias depois do final da cúpula, Chávez qualificou Fox de "cachorrinho do império", lamentando a posição "entreguista" e a disposição de "ajoelhar-se" diante dos interesses dos EUA. Embora as declarações de Chávez tivessem elevado a tensão, a controvérsia caminhava para o esvaziamento - com os chanceleres dos dois países esforçando-se para minimizar o incidente.

Mas Chávez resolveu voltar à carga. No domingo, em seu programa semanal de rádio e TV Alô, Presidente, Chávez disse ter sido ofendido por Fox. "Sou como o espinhal que floresce nas savanas. Dou o aroma, mas tenho espinhos. Não mexa comigo, cavalheiro, pois sairá espetado", disse Chávez. Isso foi suficiente para a crise ganhar contornos drámaticos ontem. Primeiro, o México lançou um ultimato à Venezuela, exigindo desculpas até a zero hora de hoje pelas declarações de Chávez. Caso contrário, retiraria seu embaixador em Caracas. Chávez, porém, sacou primeiro. Ontem à tarde, ordenou o retorno do embaixador venezuelano no México. Pouco mais de uma hora depois, o embaixador do México em Caracas, Enrique Manuel Loaeza, recebeu ordens para retornar ao seu país.

"A Venezuela rejeita e qualifica de ataque injustificado o ultimato do governo do México", declarou ontem o chanceler venezuelano, Ali Rodríguez. "Por isso, ordenou o regresso imediato do embaixador, que deixa os assuntos de nossa embaixada em mãos de um encarregado de negócios designado. Esta situação é de inteira responsabilidade do presidente Fox."

O anúncio da retirada do embaixador mexicano foi feito pelo próprio Fox. "Havíamos solicitado um pedido de desculpas, que não veio, e havíamos estabelecido que em 24 horas chamaríamos de volta nosso embaixador ", declarou Fox em entrevista à TV CNN. O presidente mexicano também afirmou que as relações com a Venezuela seriam reduzidas ao nível de encarregados de negócios, mas não descartou a possibilidade de um rompimento diplomático total com o governo venezuelano.

"Não podemos suportar ofensas ao nosso país nem à dignidade do povo mexicano", prosseguiu Fox. "Lamento pelo povo da Venezuela e lamento pelas posições tomadas. Mas o que mais lamento é o uso de adjetivos que não combinam com relações diplomáticas sérias. Não se trata do senhor Fox ou do senhor Chávez, mas sim de duas nações."

O estilo personalista e populista de Chávez tem levado a Venezuela a constantes tensões com outros países. O alvo predileto é George W. Bush, mas foram as relações com a Colômbia que estiveram à beira da ruptura no começo do ano. A crise começou por causa da captura, em Caracas, de Rodrigo Granda, dirigente da guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Granda reapareceu, dias depois, preso na Colômbia.

Argumentando que a captura se constituiu numa violação da soberania, Chávez ordenou a suspensão dos contratos com o país vizinho. A relação bilateral só melhorou após encontro entre Chávez e Uribe em Caracas.