Título: Carga pesada
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/10/2005, Economia & Negócios, p. B2

Por toda parte do mundo rico, empresas grandes estão quebrando. Os custos trabalhistas e os encargos sociais são cada vez mais responsabilizados por isso. Nos Estados Unidos, a maior empresa de autopeças, a Delphi, que emprega 50 mil pessoas, pediu concordata na semana passada, alegando sobrecarga de custos do plano de saúde e do fundo de pensão dos seus funcionários. O presidente Robert Miller avisa que uma das providências que podem evitar o pior são concessões do sindicato. Os salários terão de ser cortados, alguns deles em até 60%.

Desde o início do ano, a General Motors Corporation (GMC) e a Ford enfrentam problemas da mesma natureza e podem não sair do sufoco tão cedo. A concordata da Delphi tende a arrastar sua ex-controladora (a própria GMC), conforme temem muitos analistas, porque seu resgate exigirá concessões.

Estes não são os únicos setores asfixiados por passivos sociais. Siderúrgicas americanas tradicionais pedem ajuda do governo Bush para enfrentar essas contas. O mesmo ocorre com o setor de energia elétrica e com companhias aéreas. A Delta, uma das companhias aéreas concordatárias, quer 20 anos para pagar planos de aposentadoria.

Na Alemanha, a conservadora Angela Merkel será a primeira mulher a exercer o cargo de chanceler após árdua campanha eleitoral cuja principal bandeira foi aprofundar reformas com objetivo de flexibilizar as leis trabalhistas e impedir a migração da indústria alemã para a Europa do Leste ou a Ásia. Na França, a lei da jornada de trabalho de 35 horas semanais vai dando errado pelo mesmo motivo: os custos da mão-de-obra ficaram insuportáveis, as fábricas estão sendo desativadas e os investimentos escapam para outras paragens globais.

No Aliás, publicado domingo pelo Estadão, o pensador das novas esquerdas, o italiano Antonio Negri, acusa trabalhadores e sindicatos: ¿A classe operária é fechada sobre si mesma, organizada pelo capital, exclui os pobres, exclui as mulheres.¿

Por toda parte as fábricas têm perdido empregos. Nos últimos 25 anos, o emprego na indústria da Inglaterra caiu de 35% da força de trabalho para 14%. Na Alemanha, de 40% para 20%. No Japão, de 28% para 18%. Nos Estados Unidos era de 25% e hoje é de 10% (dados da Economist Intelligence Unit).

Esse encolhimento não tem origem só nos custos da mão-de-obra. São resultado de vários processos convergentes. O setor de serviços adquire importância em todo o mundo; a tecnologia de informação dispensa instalações, capital, estoques, logística e mão-de-obra; a terceirização se encarrega de passar a outras empresas contingentes cada vez maiores de prestadores de serviços antes registrados como funcionários (faxineiros, seguranças, inspetores, motoristas, carregadores, etc.). Tudo isso está relacionado com a globalização e com as transformações pelas quais passa o sistema produtivo mundial. Na Europa, o salário médio do trabalhador (incluídos os encargos) é de US$ 33 por hora; nos Estados Unidos, de US$ 22; na China, de alguns centavos.

E entramos no cerne da questão. Para o bem e para o mal, na China as empresas não pagam planos de saúde nem planos de previdência; não carregam passivos trabalhistas nem enfrentam greves. Essa é a principal razão pela qual a indústria do mundo rico vai sendo despachada para a Ásia.

A dos países emergentes não está blindada contra essa escrita. Já enfrenta pressões desse tipo e enfrentará mais. A reforma sindical e a reforma da CLT no Brasil terão de levá-las em conta. Enfim, é a China metendo o dedo também nas leis trabalhistas. Aqui e pelo mundo afora.