Título: Mortos devem chegar a 40 mil; ajuda demora, começam os saques
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/10/2005, Internacional, p. A14

Só em uma cidade da Caxemira paquistanesa, onde comerciantes e saqueadores se enfrentam, há 11 mil mortos

MUZAFFARABAD, PAQUISTÃO - Funcionários regionais da Caxemira controlada pelo Paquistão e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) disseram ontem que o número de mortos do terremoto de sábado deve chegar a 40 mil. Só em Muzaffarabad, capital da Caxemira paquistanesa, de 90 mil habitantes, a cifra de mortes é estimada em 11 mil. A impaciência com a demora na chegada da ajuda transformou-se ontem em revolta. Milhares de sobreviventes saquearam os primeiros caminhões militares que conseguiram alcançar a região atravessando as estradas semibloqueadas por deslizamentos de terra. Os soldados que escoltavam os veículos se limitaram a olhar o assalto, sem reagir.

Desde a noite de sábado, grupos de sobreviventes famintos reviram escombros de armazéns destruídos pelo tremor em busca de comida. Ontem os saques se tornaram mais violentos, com choques entre bandos de saqueadores e grupos de comerciantes que tentam contê-los. Na cidade destruída, sem energia elétrica nem água potável, os dois lados trocam pedradas e pauladas. No domingo à noite, policiais de Muzaffarabad dispararam para o alto na tentativa de conter saqueadores que tentavam invadir um centro comercial.

De acordo com o Exército paquistanês, não há em Muzaffarabad uma só família que não tenha sofrido uma perda humana nem uma casa que não tenha sido danificada. Muitas das vítimas eram crianças que estavam na escola na hora do tremor. Segundo um porta-voz das Forças Armadas, ninguém reclamou os corpos, numa indicação de que os pais dessas crianças também estão mortos.

O tremor de 7,6 graus na escala Richter causou mortes também na capital paquistanesa, Islamabad, e no oeste do país, principalmente na Província da Fronteira Noroeste, perto da fronteira afegã. O abalo atingiu também a Índia - onde até 2 mil pessoas morreram, segundo autoridades regionais da Caxemira indiana -, o Afeganistão e Bangladesh.

A fome e o frio são agora as duas grandes ameaças que pairam sobre os desabrigados. A organização não-governamental Oxfam alertou ontem que, além de abrigo, o desabastecimento de água é uma das maiores ameaças aos sobreviventes. "A menos que tenhamos água potável, o número de mortos ainda vai aumentar", disse um porta-voz da Oxfam.

Algumas ONGs advertiram que, com a proximidade do inverno, a capital paquistanesa, Islamabad, seja obrigada a receber dezenas de milhares de refugiados. O governo paquistanês, no entanto, anunciou que não tem planos de transferir um grande número de refugiados para a capital.