Título: MP quer punir militar por ocultação de cadáver
Autor: Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/10/2005, Nacional, p. A11

Procuradoria quer processar criminalmente e por ação civil pública militares e policiais que atuaram a mando do regime militar

A Procuradoria da República pretende usar o que julga ser uma brecha na Lei de Anistia e processar os policiais e militares que atuaram nos órgãos de segurança durante o regime militar por ocultação de cadáver e por improbidade administrativa. O anúncio foi feito ontem pela procuradora Eugênia Fávero durante cerimônia de entrega dos restos mortais do guerrilheiro Flávio Molina aos seus familiares. As primeiras ações contra os militares devem ser propostas até o fim do ano. O argumento da procuradora é que crime de ocultação de cadáver, no caso dos desaparecidos políticos, é crime permanente, ou seja, ele só é concluído quando o corpo é achado. Enquanto isso não ocorre, o crime continua sendo praticado. A Lei de Anistia considerou extinta a possibilidade de punir os crimes cometidos até a sua aprovação, em 1979. Assim, a ocultação de cadáver dos presos políticos, que continuou depois da anistia, seria passível de punição hoje. Para tanto seria necessário identificar os responsáveis pela ordem de ocultação.

Outra possibilidade é processar os militares civilmente por improbidade administrativa por causa da ocultação. "Do ponto de vista criminal, isso é mais complicado", disse a procuradora. Isso porque, segundo ele, o comandante pode dizer que o subordinado agiu sem o seu conhecimento. "Mais fácil é processar por meio de ação civil pública." Por meio dela, seria possível buscar indenizações e até a perda de aposentadorias dos comandantes.

As futuras ações que a procuradora pretende mover contra militares serão baseadas em nove volumes de documentos colhidos em inquérito civil público aberto pelo Ministério Público Federal em 1999. Dele constam depoimentos de ex-agentes da repressão e de ex-presos políticos, que apontaram os militares suspeitos de terem praticado a ocultação de cadáver e a improbidade administrativa.

"Esse dia foi muito esperado por nós, que sempre defendemos crimes de lesa-humanidade não têm prescrição", disse o jornalista Ivan Seixas, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.

"Finalmente a verdade não será mais enterrada. Vou pedir a reabertura do processo da morte e desaparecimento de meu marido (Luiz Eurico Tejera Lisboa)", disse Suzana Lisboa, da comissão. Lisboa militava na ALN quando morreu em 1972.

HERZOG

Essa não é a primeira vez que se busca punir os responsáveis por um crime cometido pelos agentes dos órgãos de segurança do regime militar. Em 1992, o então promotor de Justiça Luiz Antonio Guimarães Marrey pediu abertura de inquérito policial para tentar apurar as circunstâncias da morte do jornalista Vladimir Herzog.

Para tanto se valeu de entrevista concedida pelo delegado Pedro Mira Grancieri, o Capitão Ramiro do Interrogatório do DOI-Codi de São Paulo. "Ele confessou a participação na morte do Herzog, tentei fazer o inquérito para apurar as circunstâncias, mas o Tribunal de Justiça e o Superior Tribunal de Justiça decidiram fechar o inquérito", disse Marrey. Se isso voltar a acontecer, a procuradora Fávero promete recorrer aos tribunais internacionais.

Ela e Marrey conversaram ontem na cerimônia de entrega dos restos mortais de Flávio Molina à sua família. A ossada do guerrilheiro estava na vala comum do Cemitério de Perus, em São Paulo, e foi identificada em setembro por meio de exame de DNA. "Isso é o fim de um período de angústia para a família", disse Gilberto Molina, irmão de Flávio. Os restos mortais do guerrilheiro foram levados ontem para o Rio e serão enterrados hoje. Agora, a procuradoria vai usar o DNA para identificar as ossadas de outros três guerrilheiros enterrados em Perus.