Título: Loteamento das agências
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/11/2005, Notas e Informações, p. A3

Políticos da base aliada batalham furiosamente pelo direito de nomear diretores para agências reguladoras - aquelas entidades criadas, nos anos 90, para cuidar tecnicamente de serviços de infra-estrutura, como transportes, energia e telecomunicações, e também do setor de petróleo. Se tiverem sucesso, poderão liquidar um dos principais projetos de modernização das instituições do Estado lançados na década passada. O Brasil dará mais um passo para trás, graças à frouxidão e aos erros estratégicos do atual governo.

Estão vagos 13 cargos de diretores em 7 agências e 2 no Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes. Mais uma vaga será aberta em dezembro na Agência Nacional de Saúde. O Executivo deveria ter apontado os ocupantes de alguns desses postos há tempos. Mas preferiu adiar as decisões, para faturar politicamente em negociações com partidos aliados. O governo errou o cálculo e perdeu o momento certo de resolver o assunto. Agora tem de enfrentar pressões em vez de simplesmente indicar os nomes de sua preferência. Arranjou um problema político para si e um risco administrativo para o País.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva nunca definiu com suficiente clareza sua opinião sobre as agências. Antes de sua posse, políticos do PT criticaram a autonomia operacional das entidades reguladoras. O controle político, prometeram, seria retomado em breve. O presidente Lula referiu-se ao assunto, criticamente, denunciando uma "terceirização" de funções do governo.

O presidente estava errado, obviamente. Nunca houve essa "terceirização". Havia-se tentado reproduzir no Brasil um esquema bem-sucedido em economias avançadas. Pretendia-se, com a criação das agências, despolitizar a supervisão de certos mercados muito especiais, para maior segurança dos investidores, em seus planos de longo prazo, e também dos consumidores.

Faltava, no entanto, ao se iniciar o mandato do presidente Lula, completar a regulamentação do sistema de agências. As normas em vigor eram insuficientes para consolidar as condições gerais de funcionamento das novas entidades. Só um ministro, no atual governo, assumiu claramente a defesa da concepção original das agências, como entidades com diretores selecionados por critérios técnicos, com mandato e independência operacional. Foi o ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

As agências teriam status semelhante ao projetado para o Banco Central. Poderiam cumprir sua função reguladora sem sofrer interferências políticas e sem ficar sujeitas à mudança de humores no primeiro escalão do Executivo. Seriam órgãos de Estado, não de governo, e o mandato de seus diretores seria, de preferência, não coincidente com o do presidente da República .

Desde o início da gestão petista ocorreram investidas contra a autonomia operacional das agências. Foram várias as tentativas de subordiná-las às conveniências políticas de ministros ou do governo. Além disso, o projeto de regulamentação tramitou lentamente, como se ninguém, no mundo oficial, tivesse interesse em resolver o assunto.

Ao adiar as indicações para várias diretorias, planejando usar politicamente as nomeações, o presidente Lula juntou-se aos adversários da autonomia operacional das agências. Pode não ter calculado essa conseqüência, mas, na prática, é esse o efeito de sua decisão.

Esse efeito tem desdobramentos perigosos. O senador José Jorge (PFL-PE) apresentou projeto de emenda constitucional para transferir ao Senado a competência para indicar e nomear diretores das agências, quando os cargos permanecerem vagos durante 90 dias por omissão do presidente da República. O projeto foi aprovado na quarta-feira pela Comissão de Constituição e Justiça. A presidência da Agência Nacional de Energia Elétrica está vaga desde maio, lembrou o senador, justificando sua iniciativa.

A idéia de lotear diretorias de agências reguladoras pode ultrapassar amplamente, portanto, o custo imaginado pelo presidente Lula. Pode custar-lhe parte do poder de nomeação, tornando o processo ainda mais inseguro e sujeito a barganhas políticas de todo tipo.