Título: Apostando no cansaço
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/10/2005, Notas e Informações, p. A3

O presidente Lula parece acreditar que achou o caminho para sair da crise: vencê-la pelo cansaço. Mais de um comentarista já observou que a eleição do aliado Aldo Rebelo para a presidência da Câmara ? por escassos 15 votos, apesar do uso escancarado do Tesouro em favor de sua candidatura ?, associada à ausência de novas revelações bombásticas sobre o mensalão, ao desempenho positivo da economia e ao compreensível enfado da maioria dos brasileiros com o ramerrame do noticiário político, mudou o astral do presidente.

E tanto mudou que ele se permitiu afirmar, sem medo do efeito bumerangue de suas palavras, que os seis deputados petistas na eminência de serem processados pelo Conselho de Ética por quebra de decoro parlamentar (contra o ex-ministro José Dirceu o processo já foi aberto) ?cometeram erros, mas não de corrupção? (sic!), como se receber ?recursos não contabilizados? ? dinheiro de caixa 2 ? das contas de Marcos Valério não fosse a forma de corrupção e a modalidade de violação da lei que o próprio ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse ser ?coisa de bandido?. Isso, tomando pelo valor de face a versão de que o mensalão nada mais foi do que uma operação de caixa 2 em grande escala ? a esta altura praticamente desmentida por tudo o que já foi apurado.

Sai de cena o Lula que, embora relutantemente, declarou em 12 de agosto que ?o PT tem que pedir desculpas e o governo, onde errou, tem que pedir desculpas?. Sai de cena o Lula que, na mesma ocasião, se considerou ?traído por práticas inaceitáveis?. Sai de cena, em suma, o Lula do ?cortar na própria carne? e do ?doa a quem doer?. Sobe ao palco, feliz como um pinto no lixo, é o caso de comparar, o presidente que sugere que os companheiros cassáveis renunciem antes da abertura no conselho da Câmara para poder se candidatar de novo no próximo ano, pois o PT não lhes negará legenda.

No embalo do novo astral planaltino, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, juntou-se a Lula na absolvição daqueles cujas práticas, em menos de dois meses, deixaram de ser inaceitáveis pelo chefe deles todos. Segundo relatos de testemunhas do encontro do presidente com 67 dos 83 membros da bancada petista na Câmara, Palocci pôs a mão no fogo pelos deputados que a cúpula do governo quer que renunciem para apressar o fim da crise. ?Conheço bem quem são e sei que estão envolvidos pelo projeto do partido.? Tem razão o ministro. Pena que o projeto que os envolve seja de conquista e permanência no poder pelos mesmíssimos métodos que o partido passou a vida condenando.

Palocci, quando prefeito de Ribeirão Preto, terá sido um fiel executor desse projeto ? que começou a tomar forma, nos fins e nos meios, à medida que, enrolado na bandeira da ética, o PT foi elegendo prefeitos em importantes cidades. O episódio de Santo André, com o seqüestro e morte do prefeito Celso Daniel, pôs a nu um difundido processo corruptor. Por isso, engana-se Lula quando acusa a CPI dos Bingos de ser ?a CPI do fim do mundo? pela decisão de promover a acareação dos irmãos de Celso com o chefe de gabinete do Planalto, Gilberto Carvalho, a quem acusam de ter levado ao deputado José Dirceu, então presidente do partido, o produto da extorsão de empresas prestadoras de serviços à prefeitura.

Na realidade, aquela é a CPI da Criação do mundo da corrupção petista; Santo André está na gênese do que viria a adquirir dimensão federal, mostrando que o PT no poder de fato não é igual aos outros partidos em matéria de abrangência da corrupção: é pior. As imprecações de Lula contra a CPI dão a medida dos seus receios do que ela venha a comprovar. Por aí, a crise tende a ter ainda muito chão pela frente. Outra possibilidade de que Lula não consiga, afinal, vencê-la pelo cansaço, foi levantada pelo ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, em entrevista a Edson Sardinha, do site Congresso em Foco, citada no blog do jornalista Ricardo Noblat.

Segundo Reale Júnior, a crise deve recrudescer em novembro, a partir de uma investigação que ?está começando agora a se aprofundar?. A investigação ? ?um trabalho de escrivaninha, de gabinete? ? passa pela identificação dos freqüentadores do Palácio da Alvorada, adianta o jurista, que não tem fama de trêfego. Para ele, o desfecho das apurações poderá desencadear ?o que por ora não se sustenta: um pedido de impeachment?. O otimismo de Lula, portanto, talvez tenha vida breve.