Título: 'Se tinha 10% do eleitorado da prisão, saí com 90%'
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/11/2005, Nacional, p. A11

Maluf diz que teve 'boa lição de vida' na cadeia e não descarta volta à cena política

Paulo Maluf, aos 74 anos, está de volta - por enquanto ao Grupo Eucatex, empresa da família, mas para 2006 pode ser que procure abrigo no cenário político apesar do desgaste dos 41 dias que passou na prisão. Duas semanas depois que o Supremo Tribunal Federal mandou soltá-lo, Maluf busca retomar a rotina. No início da manhã de ontem, parecia ansioso com o compromisso da noite, um concerto na Cultura Inglesa, em que sua neta Isabela tocou a Patética, de Beethoven.

Réu na Justiça Federal de São Paulo, acusado de vários crimes, Maluf falou ao telefone sobre os dias em que ficou incomunicável no cárcere - onde, diz, muito mais que humilhado e envergonhado, tomou "uma lição de vida". Acha até que cativou outros custodiados. "Entrei (na prisão) com 10% dos votos, saí com 90% de aprovação."

Atribui à Polícia Federal de Lula uma conduta de "polícia fascista, autoritária, nazista" e avalia que o presidente "é um pregador que vai pra lá e pra cá, faz discurso, faz aquilo, mas não está interessado nos problemas administrativos do País".

O sr. acredita que Lula não sabia mesmo do caixa 2?

É difícil dizer. Se fosse eu, Paulo Maluf, o presidente, trabalharia 18 horas por dia sabendo tudo o que está acontecendo e impedindo que coisas acontecessem. Mas Lula é muito mais um pregador, vai pra cá e vai pra lá, faz discurso, faz aquilo. Eu não vejo o Lula reunindo-se com o ministro das Comunicações para saber como está a expansão das redes ou com o ministro dos Transportes para saber da operação tapa-buracos nas rodovias. Lula não é uma pessoa interessada nos problemas administrativos do País.

Quem governa o País?

O executor, o primeiro ministro do governo, era o José Dirceu. Ele sim era o chefe de governo e ninguém discutia, ninguém discutia a autoridade do José Dirceu porque não tinha acesso ao Lula. Os ministros não despacham com o Lula e assim não podiam conferir com ele decisões de Dirceu. Agora, estou surpreeendido positivamente com a Dilma (Rousseff, sucessora de Dirceu na Casa Civil).

O sr. cassaria José Dirceu?

Não sou deputado, quando for eu vou pensar.

Acha que ele vai ser cassado?

Muitos deputados, protegidos pelo voto secreto, até que não gostariam de ver cassado o Dirceu. Mas por pressão da mídia vão cassar.

O mensalão pode prejudicar Lula no ano que vem?

O Lula seria melhor presidente se tivesse se preparado, feito uma carreira administrativa e política. Ele não se preparou, a Presidência foi o primeiro cargo dele. Acho que o Lula é honesto. Não acredito que tenha participado de nenhum tipo de atividade que redundasse em benefício próprio. Mas ele não administra o Brasil como chefe de governo. É mais chefe de Estado.

Como o sr. avalia o presidente?

No fundo, o Lula carece do exercício da Presidência, de vontade de mandar. É mais um pregador. Quando você quer que as coisas se realizem tem de mandar fazer. Uma Rodovia dos Imigrantes não caiu do céu, como o metrô, a Trabalhadores ou a Água Espraiada. Você tem uma dose de participação física na execução dessas obras. Eu acho que a Dilma na Casa Civil pode suprir essa deficiência, a falta de vontade do Lula de mandar.

Ele tem chances de reeleição?

Ele pode ser reeleito, como pode ser eleito um tucano ou um candidato do PMDB ou do PFL. A dez meses e meio das eleições, não há como prever.

Candidatos tucanos a presidente, como Geraldo Alckmin e José Serra, podem carregar a bandeira da ética para se contrapor a Lula?

O Lula é ético, não está provado nada contra ele. Foram pessoas do governo dele que fizeram, mancharam a imagem do governo. Alckmin e Serra são éticos, o que não impediu que no governo deles ocorressem coisas que não preciso rememorar.

O sr. acredita que o dinheiro do Marcos Valério que foi para a conta do PP, inclusive, era só para pagar dívida de campanha?

Eu não tenho a informação. Nem conheço Marcos Valério.

Sob cerco de promotores e procuradores, o sr. disse muitas vezes que o Ministério Público estava a serviço dos tucanos. E a Polícia Federal?

Por que a PF não adotou o mesmo procedimento quando se descobriu o valerioduto? A PF mandou 250 homens armados invadirem a Daslu e a Schincariol por suspeita de sonegação. Foi um excesso de um Estado autoritário que o Brasil não quer mais. O dinheiro do valerioduto não entrou no PT? Então, porque a Federal não invadiu a sede do PT para levar os computadores? A PF está sendo usada politicamente. O uso político da polícia é perigoso para a democracia. Foi assim na Alemanha nazista, na Itália fascista. Recebi 10 mil telegramas, cartas e e-mails de solidariedade.

Como é ficar 41 dias na prisão?

Fiquei muito debilitado, ainda estou sob forte dose de medicamentos para o coração, colesterol e também para lubrificar as juntas. Não tinha o que fazer lá, estava incomunicável, isso é muito ruim. Mas tive a solidariedade de todos. Não sofri agressões, ao contrário, se entrei com 10% do eleitorado interno, saí com 90%. Eram 80 custodiados, acho que todos gostaram de mim. Só não gosta de mim quem não me conhece. E se alguém não gosta de mim o erro não é da pessoa, é meu.

A prisão lhe ensinou alguma coisa?

Foi uma boa lição de vida. Vi o mundo que eu não conhecia, o mundo que existe, o mundo real. Encontrei pessoas que por um pequeno delito foram parar na prisão. São pessoas de bom coração, quem sabe a culpa é da própria sociedade. Se a sociedade fosse um pouco menos egoísta teríamos menos explosão, como está ocorrendo na França.

O sr. vai fazer uma visita aos antigos colegas de cela?

É provável que o Flávio (seu filho mais velho, que também ficou preso) faça uma visita. Lá falta muita coisa, principalmente para as moças, até objeto de higiene. Recebemos dois cobertores e um saco que você entra e fecha o zíper. É um tecido muito lisinho, tipo cetim, muito bom para dormir. Demos os cobertores, elas se ajoelharam e quiseram beijar minha mão.

O PP ameaça expulsá-lo. Algum partido ainda vai querer o seu apoio?

Não defini ainda se saio candidato. Uma coisa é a política. Outra é a vida pública, que não se pode largar, é um sacerdócio. A política partidária eu ainda vou decidir. Não há processo nenhum para minha expulsão. A executiva municipal provisória não tem poderes para isso. Sou presidente de honra e membro do diretório. Nunca pensei em sair. Sempre fui assediado por muitos partidos. Mas acho que a fidelidade partidária não pode ser uma coisa somente da legislação eleitoral, deve ser de caráter. Estou no mesmo partido há 38 anos.

Envergonhado?

Revoltado. Todo grande político sofre grandes injustiças. Mas nunca essas injustiças atingem seus familiares. Prenderam meu filho. Mas por que se nunca ocupou cargo público? Ele e o Otávio (outro filho) administram uma empresa (Eucatex) que mantém 3 mil empregos. Eu tenho vindo à firma para fazer supervisão, dou consultoria. Quase fui presidente do Brasil, acho que ainda tenho uma experiência muito boa.

O sr. nega ser o dono dos US$ 161 milhões da conta Chanani?

Há 9 anos saí da Prefeitura. Há 9 anos me perseguem. Dizem que a Chanani é minha. Mas é do doleiro que me acusa (Vivaldo Alves, o Birigüi). As filhas dele eram as beneficiárias. O próprio doleiro admitiu ter transferido o dinheiro para outras duas contas, a Ugly River e a Madison Hill. Por que os promotores e os procuradores, tão expeditos em me acusar, não pedem o bloqueio e o repatriamento desse dinheiro para provar que agem de boa-fé?