Título: Nova política, porta para a gastança
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/11/2005, Economia & Negócios, p. B2

O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, emitiu ontem nota oficial para pregar uma alteração na política econômica. Defendeu uma diminuição mais veloz dos juros, ajuste cambial e choque de gestão, para corte "do desperdício e dos gastos públicos". O empresário propôs também a ampliação do Conselho Monetário Nacional (CMN), "que define a política econômica a ser seguida". Ele já sugeriu essa mudança noutra ocasião. A nota circulou à tarde, durante o depoimento do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, perante a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. A proposta vale algumas observações. Em primeiro lugar, é possível cortar os juros mais velozmente e intervir no câmbio - dentro de certos limites - sem mudar o essencial da política econômica. Discutir a dosagem da política monetária não implica negar os padrões seguidos até agora. Se houver um pouco mais de ousadia nas decisões do Banco Central (BC), haverá, provavelmente, reflexos no câmbio.

Em segundo lugar, é preciso respeitar padrões mínimos de coerência. Nenhuma pessoa razoavelmente informada acredita em flutuação cambial pura. Intervenções podem ocorrer, em certas situações, sem ser interpretadas como abandono da política de flutuação.

Mas é preciso não criar dúvidas a respeito do assunto. Pretende-se manter o regime de câmbio flutuante ou adotar o sistema administrado? Há um custo para cada solução e nenhum governo responsável pode ignorá-lo.

Em terceiro lugar, uma variação cambial acentuada certamente produzirá pressões inflacionárias. Valerá a pena aceitar essa conseqüência? Como combinar de maneira razoável os benefícios de um real menos valorizado e o risco de maior pressão sobre os preços? Não se pode conduzir uma discussão séria sobre o câmbio sem levar em conta esses detalhes.

Em quarto lugar, uma ampla mudança das políticas monetária e cambial - se for esse, afinal, o objetivo - dependerá da nomeação de um ministro com idéias muito diferentes daquelas defendidas pela atual equipe econômica.

Esse ministro será, provavelmente, um adversário de um rigor fiscal para valer. Como acreditar na sua disposição de eliminar desperdícios e cortar gastos públicos? Seria preciso chamar de volta a Velhinha de Taubaté para encontrar uma pessoa capaz de crer nessa possibilidade.

Uma das missões políticas desse ministro seria aumentar generosamente as despesas. O Tesouro Nacional seria convertido num instrumento da campanha para reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não será outro o resultado, se saírem vitoriosos, agora, a chefe da Casa Civil, ministra Dilma Roussef, e seus aliados contra a equipe econômica.

O presidente poderia jurar fidelidade à austeridade fiscal . O novo ministro poderia prometer a mais severa das administrações. Sua promessa, na melhor das hipóteses, seria a manutenção da meta de superávit primário equivalente a 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas essa meta, como já indicaram projeções de técnicos do Ipea, é perfeitamente compatível com um grande aumento de gastos, dada a expectativa de elevação da receita. Isso já foi verificado em 2004 e novamente neste ano.

A conseqüência dessa política, especialmente num período de eleição, seria um desperdício maior - com menor espaço, portanto, para uma reordenação do sistema tributário. Terá o dirigente da Fiesp avaliado essa conseqüência?

A situação do BC provavelmente seria alterada. A presidência seria entregue, quase certamente, a uma pessoa disposta a cuidar mais das conveniências político-eleitorais do governo do que da estabilidade monetária.

Para alguns críticos da atual orientação, o governo estaria, finalmente, mostrando coragem para enfrentar o mercado financeiro. A reação do mercado seria lançada na conta da ganância incontrolável dos banqueiros. Mas o governo, de fato, não estaria confrontando o setor financeiro e suas perversidades. Estaria simplesmente jogando no ralo as condições de estabilidade acumuladas penosamente em mais de uma década.

Uma política orçamentária para a reeleição estimularia pressões por mudanças mais amplas. Governadores cobrariam afrouxamento da Lei de Responsabilidade Fiscal. A bancada do calote rural teria ambiente mais propício para extorquir uma nova renegociação das dívidas. E os empresários? Seus líderes já defendem um novo Refis e poderão reivindicar muito mais de um governo disposto a gestos eleitoreiros.

Quanto ao último ponto: para que ampliar o CMN? Para incluir representantes do setor privado? É uma idéia incompatível com o espírito - para usar uma palavra da moda - republicano. Decisão sobre política econômica é decisão sobre assunto público. É função de governo. Empresários e sindicalistas nomeados para essa função representariam interesses privados. É um solecismo político descrevê-los como representantes da sociedade civil. Se o governo eleito não representa a sociedade, quem a representará?