Título: 'Estratégia do Brasil na OMC é equivocada'
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/11/2005, Economia & Negócios, p. B9

A estratégia do Brasil para as negociações agrícolas da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) está equivocada, avaliou Pedro de Camargo Neto, um dos maiores especialistas do País em comércio internacional. O alerta foi dirigido aos ministérios envolvidos com o tema, sem que houvesse nenhuma mudança de tática até o momento. Ele sustenta que o Brasil deveria retomar como alvo principal a eliminação dos subsídios agrícolas. Mas diplomatas centram fogo na pressão por uma maior abertura de mercados. Para isso, aliou-se aos Estados Unidos contra a União Européia. Na visão de Camargo, o Brasil deveria fazer o contrário: voltar-se contra a "inaceitável" proposta de Washington a respeito dos subsídios. Um maior acesso à Europa, disse, poderia ser melhor resolvido em outra negociação: a do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a UE.

"Não me conformo com a linha adotada pelo governo. O Brasil abandonou completamente o combate aos subsídios e até elogia a fraca proposta dos EUA como se fosse um avanço para as negociações", afirmou Camargo, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs).

"A OMC é a única instância na qual podemos conseguir a redução das subvenções agrícolas dos países mais ricos. Não podemos nos desviar desse objetivo, sobre o qual foi montado o G-20", completou, referindo-se à frente de economias em desenvolvimento, liderada pelo Brasil, que pleiteia o fim dos subsídios às exportações, a redução de subvenções a pecuaristas e a abertura de mercados agrícolas.

Amparados em subsídios, os produtores americanos de grãos conseguem vantagens para ingressar na China, deslocando exportadores do Brasil. Mesmo assim, a proposta dos EUA foi recebida pelo Itamaraty como um "avanço para as negociações", embora "insuficiente". Dela consta a promessa de redução de 60% nos subsídios concedidos aos produtores rurais - o que parece muito, mas não é. A rigor, os EUA poderiam hoje conceder até US$ 38 bilhões em subsídios. Porém, unilateralmente, fixaram o limite anual em US$ 23,2 bilhões, o valor que vem sendo pago. Com o corte de 60% sobre o limite de US$ 38 bilhões, o teto iria para US$ 21,9 bilhões - uma redução de só US$ 1,3 bilhão.

Nas contas do especialista, Washington obrigatoriamente terá de fazer uma redução mais polpuda ao cumprir as determinações da OMC, ao final do contencioso sobre os subsídios ao algodão na OMC. Trata-se de uma causa vitoriosa do Brasil que foi lançada por insistência de Camargo Neto, em 2002, quando conduzia a Secretaria de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura. Nos seus cálculos, os EUA serão obrigados a cortar US$ 2,5 bilhões do pacote de subsídios a seus algodoeiros.

Para Camargo, é evidente que a UE tem um problema mais sério em fazer concessões sobre acesso a mercados do que sobre subsídios. A redução das subvenções está amarrada a uma decisão unilateral tomada em 2004, quando Bruxelas decidiu aplicar a reforma da sua Política Agrícola Comum, o pacote de proteção e de apoio ao setor. Sobre acesso a mercados, nada impediria o Mercosul de obter ganhos nas negociações do acordo birregional. "Se a UE quer aumentar a cota de importação de carnes, que o faça para o Mercosul. É nessa área que temos de atuar com os europeus."