Título: Para garantir preço, Brasil cede tecnologia a outros países
Autor: Nicola Pamplona
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/11/2005, Proálccol 30 anos, p. H2

Fazer do álcool um produto cotado internacionalmente, mesmo que para isso o Brasil tenha de doar a outros países seu conhecimento na área, tornou-se obsessão para uma parcela do governo brasileiro. Declarações favoráveis a essa estratégia são repetidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por ministros. Não se trata de generosidade da política externa terceiromundista ou de atender aos apelos dos ambientalistas. Numa estratégia ambiciosa e pragmática, o Brasil quer ampliar a quantidade de países fornecedores de álcool porque avalia que isso, paradoxalmente, abrirá caminho para ampliar as exportações de etanol brasileiro. Hoje, muitos países relutam em adotar o álcool porque não querem depender só do Brasil como fornecedor. Há um outro objetivo igualmente importante para as exportações. O aumento da produção de álcool de cana reduzirá a disponibilidade de matériaprima para produzir açúcar. Assim, o etanol poderá pôr um freio na tendência de superoferta de açúcar, que já vem contribuindo para a queda nos preços. A estratégia vem sendo adotada pelos Ministérios das Relações Exteriores, da Agricultura, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, de Meio Ambiente e de Minas e Energia. Iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso, na esteira das vantagens oferecidas com a aprovação do Protocolo de Kyoto, o projeto tornou-se uma das prioridades da área comercial da gestão Lula. Os japoneses, por exemplo, tornaram facultativo o uso de gasolina misturada ao álcool. Porém, têm sérias dúvidas quanto a aumentar mais fortemente seu consumo. Quando esteve no Japão, em maio, a delegação presidencial ouviu questionamentos sobre a capacidade do Brasil fornecer o produto em volumes crescentes. Mais especificamente, se uma eventual alta nos preços do açúcar não atrairia os produtores de álcool para a produção açucareira. Esse temor, que não é só dos japoneses, pôs o governo na correria para oferecer a tecnologia de produção do álcool a outros países. A idéia é transformar o etanol em uma commodity, produto com preço definido de forma internacional, com vários fornecedores. A tecnologia foi oferecida a Índia, Tailândia, Austrália e Moçambique. Também está em vias de ser cedida a países da América Central e do Caribe, entre os quais Cuba, valendo-se da disposição do Banco Interamericano de Desenvolvimento de financiar projetos que produzam créditos de carbono. Os australianos, grandes produtores de cana e fortes concorrentes no mercado de açúcar receberam uma visita do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, para tratar do tema. Mas estão reticentes. O objetivo de transformar o etanol em commodity vem sendo partilhado com os Estados Unidos. O Ministério da Agricultura está em fase final de revisão de toda a legislação brasileira sobre o álcool, para aproximá-la às da americana. O segundo passo será a formulação de uma posição comum, sobre produção do etanol e a cooperação em países candidatos a investir. Por fim, ambos os países terão de negociar com a International Organization for Standartization a adoção de de padrões e regras. Só ao final do processo, o etanol poderá ser considerado legalmente como commodity. O interesse dos EUA está na tendência da ampliação dos usos do etanol na mistura com a gasolina ou diesel e do álcool hidratado, por motivos ambientais e econômicos. Mas também está centrada em outro dilema: o deslocamento de volumes cada vez maiores da produção interna de milho para a fabricação de álcool para atender a essa nova demanda. "Em vez de brigar com os EUA para abrir o seu mercado de álcool, preferimos trabalhar em parceria. Com isso, evitamos que o produto seja alvo, no futuro de barreiras técnicas", explicou José Nilton de Souza, do Departamento de Cana-de-Açúcar e Agroenergia do Ministério da Agricultura.