Título: A crise vai ao ministro
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/11/2005, Notas e Informações, p. A3

A se confirmar a ida do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) na terça-feira, 22, o calendário da crise produzirá uma ironia: no dia seguinte, a Câmara, "condenada a cassar" o deputado José Dirceu, na versão do presidente Lula no Roda Viva, consumará o que o próprio acusado sabe ser inevitável. A ironia nem sequer será demasiado sutil: alguns dos "assuntos econômicos" sobre os quais Palocci se manifestará não dirão respeito propriamente às políticas da Fazenda, mas sim a determinados meios materiais de que o PT de José Dirceu se valeu, por tudo que já se sabe, para pavimentar a sua ascensão ao Planalto e nele permanecer ao menos até o término do almejado segundo mandato do presidente Lula. A denúncia de que três colaboradores do então prefeito de Ribeirão Preto - Rogério Buratti, Vladimir Poleto, que deverão depor hoje na CPI dos Bingos, e Ralf Barquete, falecido no ano passado - participaram do delivery dos supostos dólares de Cuba para a eleição de Lula lançou sobre Palocci uma luz ainda mais crua do que aquela acesa com a confissão de Buratti, ainda agora reafirmada, da existência de um enraizado esquema de cobrança de propina no chamado município-sede da Califórnia paulista. Mas não só as acusações mudaram para pior. O mesmo aconteceu, nos últimos tempos, com as relações entre governistas e oposicionistas, que se deterioraram dramaticamente devido a uma seqüência de situações azedas (a mais recente, a suspeita de grampeamento de telefones de adversários do PT).

Por último, mas não o menos importante, a oposição começa a se perguntar, embora em voz ainda baixa, até que ponto a exposição direta e pessoal de Palocci aos refletores da crise efetivamente representaria um risco inaceitável para o quadro econômico que ele, mais do que ninguém, aprumou e mantém aprumado. Em outras palavras, estaria se iniciando um período de transição do consenso de que preservar o ministro é razão de Estado, para a hipótese de que a economia poderá afinal prescindir do seu fiador perante os mercados - supondo, naturalmente, que o modelo seja mantido, uma suposição e tanto, considerando a oposição a Palocci no PT e a aproximação do ano reeleitoral. O provável acordo para o seu depoimento na CAE é um indicador da conjuntura.

Nem a oposição continua no propósito de blindá-lo da cabeça aos pés - abrindo mão de ouvi-lo no Congresso sobre os tais outros "assuntos econômicos" - nem passou ao extremo de querer tratá-lo com a dureza que representaria a proposta inegociável para que depusesse na CPI dos Bingos. Um ministro pode ser chamado a qualquer comissão parlamentar permanente, com a cortesia de escolher dia e hora. Já a uma comissão de inquérito se é convocado - sob vara, conforme a expressão. Não está claro se a oposição tem um ponto de vista único sobre o manuseio político do "problema Palocci". A retórica levaria a crer que sim. O líder tucano no Senado, Artur Virgílio, diz que as acusações contra o ministro chegaram a um nível intolerável. "Fomos supercondescendentes, mas chega", anunciou.

O líder pefelista na Câmara, Rodrigo Maia, vai ainda mais ao ponto. "Todas as denúncias estão sob o guarda-chuva do Ministério da Fazenda", enumera: "Cuba, Instituto de Resseguros do Brasil, Casa da Moeda, Banco do Brasil, Banco Central." Tais palavras não querem dizer necessariamente que Palocci está fadado a ser o novo Dirceu no estande de tiro da oposição. Quanto mais não seja, ele não está de todo desprovido de aliados desse lado da divisa política. Os senadores Tasso Jereissati, prestes a assumir a presidência do PSDB, e Rodolfo Tourinho, do PFL, por exemplo, contam-se entre os que não tencionam "degolar o ministro", nas palavras do tucano. Mas nem eles podem desdenhar da chamada força dos fatos - se novos indícios continuarem a comprometer a figura de Palocci e se forem suficientemente fortes para pôr em questão a sua permanência no governo.

Para um senador da oposição que pediu para não ser identificado, Palocci "está pequeno" e a cada dia parece "menos ministro". Se assim é - e haja "se" -, talvez ele devesse considerar a alternativa de uma licença para recuperar a estatura. O sempre citado caso do chefe da Casa Civil de Itamar Franco, ministro Henrique Hargreaves, que saiu para voltar inocentado, é um precedente a levar em conta.