Título: E se a rodada fracassar?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/11/2005, Notas e Informações, p. A3

O Brasil vai precisar de um plano B, se a Rodada Doha de negociações comerciais emperrar de novo. Tudo aponta, neste momento, para um novo fiasco na 4ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, marcada para dezembro em Hong Kong. Fala-se em reduzir as ambições para impedir o fracasso total desse encontro. O chanceler brasileiro, Celso Amorim, já mencionou a hipótese de uma nova reunião no começo do ano, uma Hong Kong 2. E se nada der certo? O País, nesse caso, ficará numa situação complicada: será forçado a enfrentar sozinho, ou carregando o peso de um Mercosul cada vez mais entravado, um mercado global recortado por centenas de acordos bilaterais e regionais.

Acordos como esses têm-se multiplicado também no hemisfério, por iniciativa dos Estados Unidos. Não se pode menosprezar a hipótese de uma área de livre comércio formada por 29 países - as três Américas menos o Mercosul e a Venezuela.

Essa tendência ganhou força em todo o mundo logo depois do fiasco da última Conferência Ministerial da OMC, em Cancún, em setembro de 2003.

Lá mesmo, no centro de reuniões do balneário mexicano, o principal negociador dos Estados Unidos, Robert Zoellick, anunciou a disposição de seu governo de multiplicar seus acordos bilaterais de comércio.

A promessa foi cumprida. Ajudaram a cumpri-la, com grande entusiasmo, outros países da América Latina, mais empenhados em ganhar acesso ao mercado americano que em participar de alianças com parceiros em desenvolvimento.

Em troca disso, alguns abandonaram rapidamente o Grupo dos 20 (G-20), recém-criado por iniciativa brasileira. Enquanto isso, China e Índia, dois importantes parceiros naquele grupo, cuidaram de ganhar mercados em todo o mundo, seguindo políticas estritamente pragmáticas. Deixaram para o Brasil a tarefa de mobilizar os emergentes para o grande confronto com o mundo rico.

O principal confronto, neste momento, é com a União Européia, na Rodada Doha, e o resultado pode ser muito caro para todos, especialmente para os países menos protegidos por acordos bilaterais e regionais.

Nesta semana, dois dias de reunião, em Londres e em Genebra, serviram apenas para confirmar a pouca disposição dos europeus de abrir seu mercado ao comércio agrícola.

Nos dois encontros o comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, manteve a posição defensiva já conhecida. Além disso, reafirmou haver chegado ao limite das concessões possíveis. Mas não deixou de cobrar melhores ofertas das economias em desenvolvimento para o comércio de bens indústrias e de serviços.

O ministro Celso Amorim levou a Londres uma proposta mais generosa de redução de tarifas para produtos industriais, mas os negociadores europeus ainda a julgaram insatisfatória. Depois de oito horas de falatório inútil, o chanceler brasileiro deixou a reunião, em Genebra, dizendo ter coisas mais importantes para fazer.

É evidente, agora, a disposição da Comissão Européia de aceitar um novo impasse, em Hong Kong, para manter o protecionismo agrícola. Essa política é muito custosa tanto para os contribuintes e consumidores da Europa quanto para os produtores de outros países.

Se os europeus não fizerem concessões nessa área, não haverá concessões dos Estados Unidos. Só um esforço imenso poderá reativar as negociações, mas isso custará, quase certamente, o abandono do grande objetivo proclamado em Doha em 2001: realizar a Rodada do Desenvolvimento.

Para isso seria preciso incluir a agricultura, de uma vez por todas, no sistema comercial sujeito a regras de liberdade econômica e de eqüidade.

As potências mais protecionistas deveriam assumir importantes compromissos de mudança nessa área. O governo americano, depois de muita resistência, apresentou, há pouco, uma proposta razoável de redução de barreiras ao comércio agrícola. A Comissão Européia não foi além de uma oferta limitada, mas ainda assim criticada pelo governo da França.

À beira de novo impasse, Brasil e Estados Unidos têm de se unir para pressionar a União Européia. Ironia da história: não eram os europeus os parceiros preferenciais do Mercosul, no mundo rico, para um acordo de livre comércio?