Título: Devastação na reserva do Gurupi
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/11/2005, Vida&, p. A22

Ambientalistas, pesquisadores e autoridades ambientais do Maranhão estão soltando um grito de socorro pela Reserva Biológica do Gurupi, no norte do Estado. Um dos últimos remanescentes de floresta amazônica a leste do Rio Tocantins, a unidade é assolada por uma série de problemas: de exploração ilegal de madeira até o desmanche de carros e plantações de maconha. Tudo num lugar onde, pela lei, as únicas atividades permitidas são pesquisa científica e educação ambiental. A situação é tão crítica que o Ibama reconhece a reserva como a "unidade de conservação mais ameaçada do País". A equipe que fazia a fiscalização permanente da área foi retirada em 2002, depois que pistoleiros abriram fogo contra a sede local do Ibama. Ninguém ficou ferido, mas a casa passou a ser usada apenas como uma ponto de apoio de operações. "Mais recentemente, três funcionários receberam ameaças de morte", conta a gerente do Ibama no Maranhão, Marluze Pastor Santos. "Poderia não ser nada, mas não podemos deixar as pessoas expostas." Segundo ela, o instituto faz fiscalizações rotineiras, mas insuficientes para conter a devastação.

"Essa é uma região tão importante que deveria ser ocupada pelo Exército", diz o pesquisador José Maria Cardoso da Silva, vice-presidente de Ciência da organização Conservação Internacional, que financia projetos no local. "Deixou de ser um problema simplesmente de fiscalização; é uma operação de guerra."

IMPACTO

Com mais de 3.400 quilômetros quadrados, a reserva abriga mais de 60 espécies de mamíferos, incluindo duas endêmicas de macaco (que só existem ali) e dez ameaçadas de extinção. Além disso, é a única unidade de proteção integral na chamada "área de endemismo Belém", que engloba toda a região amazônica a leste do Rio Tocantins, no Pará. "É a região que concentra o maior número de espécies ameaçadas da Amazônia, justamente porque é a mais depredada pelo homem", aponta Silva. "Sabemos que a Amazônia não é uma região só, mas um bioma composto de várias áreas, cada uma com sua fauna e flora específicas."

O pesquisador Tadeu Gomes de Oliveira, da Universidade Estadual do Maranhão e da organização Pró-Carnívoros, estima que cerca de 80% da área da reserva já sofreu impacto pela atividade madeireira. "Se nada for feito, é como um câncer: vai se espalhar e consumir tudo que tem em volta", alerta. "Há mais ruas na reserva do que em São Luís."

A Reserva Biológica (Rebio) é a classificação mais restritiva entre todas as unidades de conservação federais. Por lei, os únicos que podem entrar ali, além das autoridades ambientais, são os cientistas. Mas até pesquisadores como Tadeu deixaram de trabalhar na área por falta de segurança - e por recomendação da Polícia Federal.

Além da atividade madeireira, a reserva é vítima da prática de crimes de natureza urbana. Segundo Marluze, a área é freqüentemente usada para o desmanche de carros roubados.

ESFORÇO DE CHOQUE

O diretor de Ecossistemas do Ibama em Brasília, Valmir Gabriel Ortega, reconhece que a situação é crítica. Segundo ele, o instituto deve finalizar até o fim do mês um plano de ação para "retomar" a região. "Não é um problema que o Ibama vai resolver sozinho", diz.

"A idéia é ter um esforço de choque e consolidar uma infra-estrutura que possa sustentar uma mudança do padrão de uso da terra na região a longo prazo."

Outro problema é a situação fundiária da Rebio. A reserva foi criada em 1988, mas até hoje nenhuma das propriedades privadas foi desapropriada. Os processos se arrastam na Justiça e os proprietários continuam a praticar agricultura e pecuária na reserva, como se ela não existisse.

Para Marluze, é preciso uma superoperação de segurança, acompanhada de desapropriação e desativação das fazendas, além de um processo de conscientização das autoridades e das comunidades sobre a importância do Gurupi.

Para os pesquisadores, a situação da Rebio serve de contraponto ao argumento de que apenas a criação de unidades de conservação "no papel" já inibe os desmatamentos. "Esse modelo só funciona enquanto ainda há recursos florestais fora das unidades", afirma Silva.