Título: Mudança de foco da UE irrita Amorim
Autor: João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/11/2005, Economia & Negócios, p. B6

Comissário europeu comemora resultado da reunião e chanceler brasileiro diz que não houve avanço nenhum nas negociações

A União Européia (UE) conseguiu ontem transferir o foco das negociações da rodada multilateral da Organização Mundial do Comércio (OMC) para a abertura dos setores de bens industriais e serviços financeiros dos países em desenvolvimento, sem finalizar uma melhora na sua proposta agrícola. Diante dessa estratégia de Bruxelas, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, não escondeu sua irritação ao término de reunião com representantes da União Européia, Estados Unidos, Índia e Japão na capital britânica. 'Não houve avanço nenhum', disse Amorim. 'Precisamos evitar a montagem de um teatro diplomático e reconhecer que ainda há muito terreno a ser recuperado nessas negociações.' Durante entrevista conjunta no fim do encontro, ficou claro o clima de desconforto entre Amorim e o comissário europeu para o Comércio, Peter Mandelson. O comissário europeu qualificou a reunião como positiva, pois pela primeira vez temas que interessam principalmente aos países ricos, como o maior acesso a setores de serviços e bens industriais, foram discutidos. 'A agricultura é um assunto fundamental, mas precisamos também abor Para Mandelson, outros assuntos devem ser tratados além da agricultura dar outros assuntos', disse Mandelson. 'Estou encorajado pelas conversas de hoje.' No entanto, Amorim salientou que 'não houve debate suficiente sobre agricultura' na reunião de ontem. Além disso, o ministro brasileiro reiterou que uma maior flexibilidade dos países em desenvolvimento nas negociações está condicionada a uma melhora da proposta agrícola da União Européia e dos Estados Unidos. O ministro brasileiro disse que há uma disposição geral de que 'o nível de ambição da rodada da OMC não pode ser reduzido'. Mas ele admitiu que, se necessário, as expectativas para o encontro ministerial da OMC que ocorrerá em dezembro, em Hong Kong poderão ser reduzidas diante das dificuldades nas negociações. Hoje o G-20, grupo que reúne os principais países em desenvolvimento, realiza uma reunião em Genebra. ABERTURA O mal-estar se deu bem no dia em que o chanceler brasileiro acenou com possibilidades concretas de os países em desenvolvimento apresentarem uma oferta para ampliar o acesso aos seus setores de bens industriais e serviços financeiros. Fontes da Comissão Européia e do governo americano que participaram da reunião qualificaram como positiva a iniciativa de Amorim. 'É a primeira vez que vemos uma sinal concreto de maior flexibilidade dos países em desenvolvimento', disse um assessor da Comissão Européia. Segundo os diplomatas brasileiros, Amorim 'apresentou cenários para uma maior abertura dos mercados dos países em desenvolvimento, mas eles estão condicionados a uma melhora da oferta agrícola dos países ricos'. Uma forte pressão sobre os europeus marcou o início dessa semana de negociações considerada decisiva para a conclusão da rodada da OMC. Em encontro com o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, o ministro brasileiro disse que o Brasil e outros países em desenvolvimento estão preparados para melhorar suas propostas de acesso a seus mercados de bens industriais e serviços financeiros na Rodada Doha. Mas acrescentou que isso somente será possível se a UE ampliar sua oferta de queda de tarifas aos produtos agrícolas. Os Estados Unidos também condicionam a melhora de sua proposta a um avanço na oferta de Bruxelas. Os ministros das Relações Exteriores da UE deram ontem apoio à mais recente oferta apresentada pelo comissário Peter Mandelson. Mas o governo francês, principal defensor dos subsídios agrícolas, reiterou seu descontentamento com as propostas de Mandelson. O ministro francês, Philippe Douste-Blazy, exigiu que o comissário obtenha uma 'aprovação clara' de todos os 25 membros da UE antes que um acordo final na Rodada Doha seja sacramentado. Mandelson, no entanto, disse em entrevista à emissora britânica BBC, que 'o governo francês não tem poder de veto sobre as ofertas feitas pela comissão e nas táticas de negociação' que ele emprega.