Título: Iodo demais, inimigo n.º 2 da tireóide
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/11/2005, Vida&, p. A17

O n.º 1 é o iodo de menos, explica especialista, que verificou em duas pesquisas excesso da substância no organismo dos pacientes

Por 18 meses, a equipe da Unidade de Tireóide do Hospital das Clínicas de São Paulo, chefiada pelo endocrinologista Geraldo Medeiros, coletou amostras de urina e fez exames de ultra-som da tireóide - glândula que regula o metabolismo - de 829 moradores da região do Grande ABC. A idéia era checar a quantidade de iodo consumida. O resultado, recém-divulgado, foi de que 32% deles consumiam quantidades acima do normal. Iodo em exagero faz que o sistema de defesa do corpo cause uma doença chamada tireoidite auto-imune, na qual o organismo produz anticorpos contra a glândula de tireóide. Índices ainda mais alarmantes foram vistos pelo próprio médico em 2001, durante estudo feito em Estados do Norte e do Nordeste. Uma das suspeitas para os dois casos impressiona. O sal brasileiro é, por lei, iodado desde 1995. A quantidade obrigatória pode variar de 20 miligramas a 60 mg por quilo. Mas, de 1998 a 2004, o Ministério da Saúde aumentou o limite máximo. De 60 mg passou para 100 mg. "O aumento pode significar uma bomba de efeito retardado no organismo", alerta Medeiros.

O médico sempre esteve envolvido com o assunto. Na década de 70, entrou na sala do poderoso general Golbery do Couto e Silva, reivindicando o acréscimo de iodo no sal. Isso porque a falta da substância pode ser até mais grave do que o consumo exagerado. Anos depois, na década de 90, ele conseguiu convencer seu amigo Adib Jatene, então ministro da Saúde, a tornar o iodo obrigatório. Neste mês, Medeiros lançou o livro Tudo o Que Você Gostaria de Saber sobre Câncer de Tireóide, sem editora, R$ 40, 169 págs.). Ele explica de forma didática tudo sobre a influência do iodo na saúde, o funcionamento da glândula, além do câncer da tireóide, um dos que mais crescem no planeta.

Que mal pode fazer o excesso de iodo ao organismo?

Em quem tem predisposição genética, pode causar tireoidite crônica auto-imune, que, por sua vez, provoca hipotireoidismo (diminuição dos hormônios da tireóide), por exemplo.

Por lei, o sal brasileiro tem adição de iodo. A quantidade é adequada?

Sim. O permitido é de 20 a 60 mg por kg. Mas o problema atual é que o brasileiro está consumindo mais sal do que o recomendado. O ideal é até 6 g por dia. A média no País é o dobro disso. No ano que vem o Ministério da Saúde vai começar um estudo com cerca de 20 mil escolares para detectar a quantidade exata consumida. Mas já adianto que os limites de iodo no sal vão ter de diminuir por conta do enorme consumo.

A quantidade obrigatória no sal sempre foi a mesma?

Em 2001, durante estudo para analisar as condições nutricionais de iodo na população infantil num projeto da Unidade de Tireóide do HC em oito Estados do Norte e Nordeste, levamos um susto: 68% dos 2.086 escolares examinados tinham mais de 300 mg por litro de urina. E 10% mais de mil mg! A Organização Mundial da Saúde tolera de 100 a 300 mg por litro. Comunicamos o fato ao Ministério da Saúde e descobrimos que a margem permitida havia sido aumentada com autorização do próprio ministério.

Então, por um período, o brasileiro consumiu sal com excesso de iodo?

Sim, de 1998 a 2004. E isso pode significar uma espécie de bom ba de efeito retardado, com o aumento do número de tireoidites crônicas, por exemplo. Constatei num estudo feito nos últimos dois anos, na região do Grande ABC, que a incidência dessa doença está em torno de 17%. Em 1994 era de 9,1%.

Não seria melhor tirar o iodo do sal?

Não! Os problemas da falta de iodo são mais graves do que o excesso. O iodo é essencial para o funcionamento da tireóide. Ela capta o iodo do alimento e o transporta até uma proteína chamada tireoglobulina. Lá, são fabricados dois hormônios (T4 e T3) que agem no metabolismo. Uma grávida com alimentação carente de iodo, por exemplo, tem dificuldade para transportar a substância ao bebê a partir da 16ª semana.

Outros países têm sal iodado?

Todos, com exceção da Dinamarca. Nos Estados Unidos e na Itália há a opção de compra do sal com ou sem iodo.

Quais alimentos são ricos em iodo?

Alga marinha e frutos do mar. O ideal é consumir esses alimentos duas vezes por semana .

Quem se alimenta de maneira certa e faz o mesmo com o sal não pode consumir iodo em excesso?

Pode, sim. Mas grande parte da população não se alimenta de maneira adequada.

No seu livro, além de defender a importância do iodo, o sr. afirma que o número de casos de câncer de tireóide dobrou nos últimos 20 anos no País. Por que isso ocorreu?

Graças à chegada do ultra-som, na década de 90. Diferentemente do que ocorre com outros órgãos, como a mama, esse exame dá muitos detalhes na análise dos nódulos da tireóide.

Qual é o valor do auto-exame?

É a mesma em relação do auto-exame de mama: fundamental (ver desenho acima).

Qual é a incidência de câncer?

Cerca de 25 mil novos casos por ano. Hoje, ele é o 8º tipo de câncer mais comum. Na década de 80, era o 14º.

O iodo tem influência no câncer de tireóide?

Não. Só nas disfunções.