Título: 'Não tenho medo de nenhuma gravação'
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/11/2005, Nacional, p. A9

Klinger Luiz de Oliveira Souza, a quem o Ministério Público acusa de integrar "organização criminosa estável" para esquema de corrupção em Santo André, afastou-se da política, mas continua na cidade onde divide seu tempo como professor universitário e como consultor. Secretário de Serviços Municipais na terceira e última gestão de Celso Daniel (1997-2002) e ex-vereador pelo PT, Klinger diz que depor à CPI dos Bingos era tudo o que ele queria, para revidar "calúnias e mentiras".

Monitorado pela Polícia Federal, que entrou em cena a pedido de Lula, então candidato à Presidência, e do deputado José Dirceu, que dirigia o PT, Klinger caiu no grampo em conversas com Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, acusado pela promotoria como mandante do assassinato que assombra o Planalto.

Ele acredita que Daniel foi vítima de "crime comum", atribuído a seqüestradores que não sabiam que sua vítima era o prefeito. É a tese da polícia. Klinger avalia que o inquérito deixou lacunas. "Mas isso não quer dizer que muda alguma coisa", avisa.

O sr. foi flagrado em conversas pelo telefone que, na avaliação do MP, o comprometem. Tem medo que hoje a CPI o interrogue sobre isso?

Absolutamente. Para mim é uma excelente oportunidade de esclarecer tudo, depois dos depoimentos dos irmãos do Celso e da acareação deles com o Gilberto Carvalho (chefe de gabinete de Lula), quando diversas vezes meu nome foi citado. Não sou dono da verdade, mas não posso admitir que paire sobre mim qualquer suspeita. Os senadores devem mesmo exibir as gravações. Não tenho medo de nenhuma conversa gravada, desde que seja posta no contexto. São conversas legítimas, honestas. Conversas aflitas de quem pretendia encontrar a verdade sobre os fatos e a identificação de quem matou Celso.

Mas o sr. pediu à Justiça a destruição das fitas com o grampo.

Não me assusta nenhuma conversa minha que tenha sido gravada. O que me assusta e que me fez ir à Justiça buscando deslegitimar o efeito das gravações, é o fato de a escuta ter sido autorizada com a justificativa de que a investigação se referia a tráfico de entorpecentes. Não me preocupa o conteúdo, mas a forma como se fez a interceptação.

Houve uma conversa em que o sr. e Sérgio Gomes falam em "armar". O que pretendiam armar?

Jamais usaria esse termo no sentido de prejudicar uma investigação ou encobrir alguma coisa. Num telefonema para mim, que foi muito divulgado, Sérgio estava nervoso, gritava que "os caras estão dizendo que o carro não poderia abrir as portas". Sérgio e Celso estavam na Pajero. Ele informou que o carro destravou automaticamente as portas ao ser atingido por um veículo dos seqüestradores. À medida em que surgiram dúvidas sobre isso, o Sérgio ficou aflito. Por isso telefonou.

Mas o que queria dizer "armar"?

Não era no contexto de tramóia. O objetivo era demonstrar a verdade, buscar uma forma de fazer prevalecer o que ele considerava a realidade. Palavras fora do contexto ganham sentido perverso. Eu não queria armar nada. Queria me solidarizar com um companheiro aflito.

O MP o acusa de participar de um esquema de corrupção.

Eu era amigo muito próximo do Celso. Faço questão de ir à CPI esclarecer tudo o que perguntarem. Quanto à suspeita de corrupção, é preciso dizer que a empresa que fez a denúncia (Expresso Guarará) é inidônea. Estava a ponto de perder o contrato com a prefeitura e se manteve à custa do forte lobby feito por um irmão do Celso. Houve 3 aditamentos ao contrato com base nessas interferências. As evidências são cristalinas, mas esse assunto não tem o peso que deveria ter.

O sr. acredita que Celso Daniel foi vítima de crime comum?

Acredito, mas há lacunas no inquérito. Por exemplo: não identificaram quem ficou com o Celso no cativeiro. São perguntas ainda sem resposta. Mas os inquéritos são assim mesmo, frágeis.