Título: Amorim abre guerra contra UE
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/11/2005, Economia & Negócios, p. B5

Chanceler deixa reunião da OMC em Genebra dizendo que, com o comportamento europeu, negociações ´não fazem sentido´

Na mais clara demonstração de que as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) estão à beira do colapso total e da interrupção, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, abandonou ontem a diplomacia e abriu uma guerra contra o comportamento da União Européia (UE) na Rodada Doha. 'Se continuar assim, não faz mais sentido. Não há negociação. Isso é perda de tempo e eu tenho de tratar do Mercosul e de outras coisas', afirmou o chanceler. Para ele, a reunião ministerial em Hong Kong, no fim do ano, dificilmente cumprirá seu objetivo e uma nova conferência poderá ter de ser convocada no início de 2006. 'Vamos precisar de uma Hong Kong 2', disse Amorim. Ministros de mais de 20 países estão em Genebra para tentar salvar a Rodada Doha, lançada em 2001. O objetivo era chegar a Hong Kong para fechar acordos de abertura dos mercados agrícola, industrial e de serviços. Os governos, então, teriam mais um ano para concluir a rodada e fixar as novas tarifas e regras comerciais. Agora, a possibilidade mais realista é abandonar a idéia de um acordo, mas manter o prazo de 2006 para a conclusão da rodada. O ponto central do desentendimento é a relutância da UE em conceder maior acesso a seu mercado para produtos agrícolas de países emergentes. Bruxelas indicou que poderia oferecer acesso maior se conseguisse desses países o mesmo em relação aos setores industriais e de serviços. O Brasil apresentou uma proposta de cortes de tarifas, mas os europeus continuaram dizendo que não poderiam oferecer mais nada. 'A Europa não faz nenhum movimento. Eles (europeus) podem continuar fazendo de boba a opinião pública européia, mas não a mim nem a opinião pública brasileira. Não podemos avançar assim', disse Amorim, depois de oito horas de negociação. Indagado se estava abandonando as negociações, Amorim apontou que só voltaria aos debates hoje por 'consideração com os países menos desenvolvidos que o Brasil'. Ele ainda alertou que não está abandonando o sistema, pois o País 'continua ganhando tudo no órgão de solução de controvérsias', em uma clara referência às vitórias contra os subsídios europeus e americanos. Peter Mandelson, comissário de Comércio da UE, deixou a OMC ontem evitando os jornalistas, mas confirmou que não haverá uma nova proposta agrícola de Bruxelas. Rob Portman, representante de Comércio dos Estados Unidos, tentou ser mais conciliador ao deixar a reunião, mas reconheceu: 'A situação está difícil e não sei se vamos conseguir'. Diplomatas que estiveram ´Isso é uma perda de tempo e eu tenho de tratar do Mercosul e de outras coisas´ na reunião relataram que Amorim e Mandelson passaram horas trocando críticas. 'Estou convencido de que a UE está fazendo exigências não para obtêlas, mas para não precisar dar nada em agricultura. O problema é que não querem dizer e isso não é sério. Não estou aqui para ficar ouvindo os mesmos discursos. Isso está ficando inútil. Tive de fazer um sério esforço para não dormir durante a reunião, pois já havia escutado a todos os discursos', disse Amorim, enfurecido. Amorim disse que até os Estados Unidos sinalizaram que poderiam apoiar o Brasil em sua proposta de redução de tarifas de importação de produtos agrícolas, que exigira corte de 54% nas taxas européias. Segundo ele, '95% dos ministros são contra posição da Europa'. 'Estamos vendo posições maximalistas, como as exigências que os europeus fazem em relação à abertura de serviços. Não vão conseguir isso', enfatizou. O chanceler ainda ironizou a proposta de outros países protecionistas que teriam tentado explicar 'como era difícil cultivar produtos agrícolas no Círculo Ártico' e como, ao mesmo tempo, exigiam cortes das tarifas brasileiras para produtos industriais. HONG KONG 2 O debate agora se limita ao estabelecimento de um plano de contenção de crise para evitar que a reunião de Hong Kong termine em fracasso. O Brasil já até sugere um novo encontro ministerial em 2006. Vários ministros concluíram que dificilmente vão atingir os objetivos propostos, mas indicam que vão trabalhar para manter a ambição da Rodada Doha. 'Não conseguiremos fechar as fórmulas de cortes de tarifas. O que temos de ver agora é o que poderemos fazer em Hong Kong', afirmou Kamal Nath, ministro da Índia.