Título: `Plano de ajuste de longo prazo é rudimentar e não está em debate¿
Autor: Suely Caldas, Patrícia Campos Mello e Renée Pereir
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/11/2005, Economia & Negócios, p. B4

Dilma diz que estabilidade fiscal não se garante com planilhas, sem `combinar com os russos¿

Aministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, afirmou ontem que o plano de ajuste fiscal de longo prazo proposto pelo ministro doPlanejamento,PauloBernardo, é ¿rudimentar¿, não está sendo discutido no governo e o presidente Lula o desconhece. ¿Esse debate é absolutamente desqualificado,nãoháautorização do governo para que ele ocorra¿, disse Dilma, em entrevistaexclusivaaoEstado.

Aministra afirmou queumplano de estabilidade fiscal de 10 anos não pode ser feito só com base em¿planilhas¿emodeloseconômicos.

¿ Fazerumexercíciodentrodomeugabineteeacharque ele será compatível com o nossoPaísnãoéconsistente.

Quandovocêfalaemdezanos, temde ¿combinar com os russos¿, que são os 180 milhões de pessoas que vivem no Brasil¿, disse Dilma, repetindo a célebre frase de Mané Garrincha na Copa de 1958.

Nasúltimassemanas,Bernardovemdiscutindoumplano que prevê rígido controle dos gastos públicos porumperíodo superior a cinco anos e elevaçãodosuperávitprimário.

Oobjetivo seriachegaraumaqueda sustentada dos juros e ao aumentodosinvestimentoseminfra- estrutura.

¿Essa versão (de que existe umadiscussão) é absolutamente fantasiosa.

Se alguém quiser fazer esse processo de ajuste, terá de apresentar epassar por todos os trâmites¿, disseDilma.

Aseguir, os principais trechos da entrevista: Recentemente,houveumareunião como ministro Antonio Palocci paradiscutironovoplanodeajustefiscaldelongoprazo, propostopeloministroPauloBernardo.

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Essa discussão não está posta nogoverno.

Oquefoiapresentado é bastante rudimentar, nós não consideramos que essa discussãoteveinícioetransitouno governo.

Não é consideradaem andamento,nãofoilevadaaoconhecimentodopresidente.

Ofato de eu e mais três ministros tomarmos conhecimento não significa que existe discussão.

Não existe proposta concreta.

Euachoquenemexisteacolocaçãodeumconceitodeajuste fiscalnoBrasil.

Paracrescer,énecessário reduzir a dívida pública.

Para a dívida pública não crescer,éprecisoterumapolítica de juros consistente, porque senão você enxuga gelo.

Faço umsuperávitprimáriodeumladoeaumentooestoqueeofluxo da dívida.

E me fechei em mim mesma.

É uma discussão que tem de ser feita com muita cautela.

Discutirajustefiscaldelongo prazo não é fazer projeção para dez anos combaseemplanilha.

Fazerumexercíciodenúmeros dentro do meu gabinete e achar que ele será compatível com o nosso País não é consistente.

Quando você fala em dez anostemque¿combinarcomos russos¿, que são as 180 milhões de pessoas que vivem no Brasil.

Por isso eu afirmo que esse não é um exercício macroeconômico.

Nuncavifazeremissoemnenhum lugar do mundo.

Não dá para imaginar um processo de anos abstraindo o conjunto da população, os atores políticos, econômicos e sociais.

Quando você fala em dez anos, não está pura e simplesmente focando a estabilidade; é preciso pensar emdesenvolvimento e levarem conta os diferentes interesses.

Um programa de dez anos que se baseia simplesmente na DRU (Desvinculação de Receitas da União) e na proposta daquilo ou daquilo outro, pelo amordeDeus,nãodá.

Contapara os russos.

Oqueopresidente Lula achadesse planodeajustefiscal? O presidente Lula não acha nada porque esse programa nem foi colocado.

Ele não participou de nenhuma discussão.

A discussão é incipiente para qualquer posição ser externada.

Não há nenhum posicionamentodo governo quantoa isso.

Todas as posiçõesemrelação a esse assunto são absolutamente pessoais.

Asra.

vaidefenderumareduçãoda metadosuperávitprimário? O superávit primário adotado pelo governo é de 4,25% do PIB e não há nenhuma orientação para modificar.

A minha posição é a do governo, queameta é de 4,25%.

Seránecessáriogastarmaisemnovembro e dezembro para que o superávit primário seja reduzido dos atuais 6,1% do PIB no ano para 4,25%.

O governo fixou uma meta para esses gastos? Quais serão as prioridadesdegastos? Nós vamos gastar nos projetos fundamentais que estão em andamento; ninguémvai inventar projeto.

Até o final do ano, uma prioridadeéaumentaroinvestimento nas rodovias existentes e nos projetos em andamento.

Podemostambémantecipar algunsqueestavamprevistos para 2006.

Todos os nossos projetos rodoviários, ferroviários e portos são prioritários.

Por exemplo: háumconjunto de estradas que precisam ser avaliadas, precisam de rapidez na recuperaçãoporquenãohouveinvestimentos por muito tempo.

Temos uma malha rodoviária pequena para o tamanho do País, que precisa ser expandida.

Mas, além da construção de novasestradas,temosoproblema da manutenção, expansão, duplicação e finalização das existentes.

O segundo item em que o governo vai investir são projetos fundamentais, como aumentar a construção de cisternas para assegurar o acesso à água.

Temos um plano de construir150mil(dentrodoprojeto ¿1 milhão de cisternas¿).

Até agora, construímos cento e poucas mil, queremos tentar chegar a 200 mil.

Mas não até o fimdo ano.

Demora.

Obradeinfra- estruturanãoédecurtoprazo.

Outra área prioritária é a construção de presídios e a rede de laboratórios de pesquisa da febre aftosa, do ministério da Agricultura.

Oobjetivoéliberarquemontantede recursos? Não existe objetivo deumvalor a ser liberado.

Vamos inverter o problema.

Nãoé:Euquero esterilizar xis bilhões.

O problema é: Eu quero tornar o gasto público mais eficiente.

Meu objetivo não é reduzir o superávit primário para 4,25%, é aumentar a qualidade e a destinação do gasto público porque existe uma sobra orçamentária.

Ninguém vai fazer nenhum gasto, em novembro, onde não existir projeto.

Porisso,équenãoestamos sabatinando nenhum ministro.

Eu não compartilho da idéia de que existe, na Esplanada dos Ministérios, um bando de ministros inábeis para gastar.

Essa versão é distorcida.

O nível de execução orçamentária dos ministérios é bastante alto, não acredito que os ministros tenham de ser puxados para gastar.

Gastar, como poupar, temumatecnologia.

Éprecisoverificarquaissãoasrestrições.

Temrestriçãodemeioambiente, do TCU (Tribunal de Contas da União), em relação à inadimplência de prefeituras, de alguns Estados.

Alguém acredita que se faça uma política de esforço fiscal sistemático sem problemas? Qualquer superávit tem conseqüências (issonãosignificaquevocênãodeva fazê-lo).

Mas não é possível acharquepassardeumsuperávit de 4,25% para 5% ou 6% não distorce o gasto.

Isso é inviável.

Se eu não planejar, não executo.

É preciso preservar, dentro deumapolíticadesuperávitprimário, a capacidade de planejar para não se gastar mal.

O Brasil não se pode dar ao luxo de gastar mal Mas há muita demora; parece que os investimentos não saem, estão empacados.

Investimentosónãosaiquando não tem dinheiro.

Nós não temos todo o orçamento do mundo.

Nós estamos tentando executarR$ 6 bilhões e eu lhe asseguro: o empenho do Ministério dos Transportes é altíssimo.

Qual é a sobra de orçamento deste ano? Eu não vou dizer qual é a sobra.

Umpaís não é uma pessoa, não funcionaassim:eutrabalhei,ganheimeu salário, sobrouumdinheiro e agora vou torrar.

País não é assim não.

Ninguém vai gastar por gastar.

O governo não vai autorizar um centavo empregadoemalgo que não resulteeminvestimentooutransferência de despesa corrente, como no caso da segurança pública.

Aliás, essa históriade que investimento é bom e despesa correnteémáéoutrasimplificaçãogrotesca.

Despesacorrente é vida: ou você proíbe o povo de nascer, de morrer, de comer ou de adoecer ou vai ter despesas correntes.

Ou não aumenta o salário mínimo.

Não acho que essa questão do salário mínimo seja o problema.

Temos gastos em saúde quenãotêmnadaavercomsalário mínimo.

Se vou fazer transferência para reequipamento da polícia, se vou dar dinheiro paraaPolícia Federal,tudoisso tem um componente de despesa alto, que é inexorável.

O saláriomínimo tem a ver com os gastos da Previdência, que crescemataxasmuitoaltas.

Omaior gasto do Brasil, hoje, é com a Previdência, como ocorre em outros países.

Mas o desempenho da Previdência melhorou, odéficitnãoestáaumentandoataxascrescentes, ele está aumentando a taxas decrescentes.

Hoje, temos dois movimentos em relação à Previdência.

Com a MP 258 (da Super- Receita), haverá a unificação da receita previdenciária e da receita tributária.

Com isso, queremos darumaagilizada na fiscalização, diminuir a evasão e acelerarda recomposição das receitas previdenciárias.

Porque a máquina da arrecadação da receita tributária no Brasil é bastante profissionalizada.

Se ela for unificada com a receita previdenciária, tende a ter o mesmo padrão.

O segundo movimento é o recadastramento.

Nóstemoshoje,noBrasil,aevasão de recursos públicos ¿ requerimento de pensão quando não deve receber o benefício.

A tentativa de recadastramento do ministro da Previdência, o Nelson (Machado), pode nos levar a recuperar alguns bilhões.

Será um recadastramento decente, amigável, sem botar velhinho na fila.

Qualéoprazo? Oprazo émarço.

Casonãohajaespaçoparagastaressasobradecaixaatédezembro, não haveráproblemaseoPaísencerrar oanocomumsuperávitprimáriosuperioràmetade4,25%? Eu acho que não vamos encerraro anocomumsuperávit primário maior que 6%.

Não tem como;aindatemosmuitadespesa obrigatória.

O superávit no ano está em 6,10%, e, nos últimos 12 meses, em 5,16%.

Isso tendea baixar,comobaixa todo finaldeano.

Ninguémestápreocupado em pegar o superávit e fazer uma conta de chegar.

Vamos gastar com qualidade.

Se for preciso, antecipamos gastos planejados parajaneiro efevereiro.

Nós observamos todos osprincípiosdaleideresponsabilidade fiscal e padrões de robustez, de higidez fiscal.

Há divergências no governo sobre gastosesuperávit? É simplório dizer isso.

Aminha divergência não é divergência.

Eu já fui secretária da Fazenda, conheço todas as artes de não gastar.

É função da Fazenda e do Planejamento terumapolítica de contenção de gasto.

Eu não sou nem Fazenda nem Planejamento.

Minha ótica é interministerial.

Ou seja, tenho de olhar o que cada ministro tem de problema, falha e mérito, e o quetemdeprojeto.

Exemplo:eu acho que tem de ter a rede de laboratórios da agricultura.

A minha posição não é olhar se a variável macroeconômica está se comportando assim ou assado; é pôr dinheiro onde precisa.

Já o Planejamento não vai deixarbotar( dinheiro)eoministro da Fazendatambémnão.

Atese de que há ministros incapazes e inúteis e umponto focal eficiente no governo é tolice.

Há muitos ministros fazendo projetos, alguns mais adiantados, outros mais atrasados.

Porqueosuperávitestábemacima dameta? Bom, para fazer superávit, começamos com uma política de segurar no início do ano.

Elevase a restrição de gastos imediata.

Aí, vai adequando.

De fato, a dois meses do final do ano, o superávit está realmente alto em relação à meta.

Mas, normalmente, o orçamento tem bastante restriçãonoinício eé liberado no final.

E por isso não se pode culpar ministro.

A versão não é correta.

Se ele está com execução baixa, é porque a liberação está baixa.

Aí, ele vai subindo.

Ele tem de se preparar para essa escalada dos gastos.

Desdequeosuperávitprimário foi adotado, é assim.

Não tem outro jeito de fazer.

Afinal, o que leva a fazer o superávit primário? O pagamento de juros.

Eu acho que, inexoravelmente, nós temos de considerar quanto da política de juros nos últimostempospoderiasermenor.

Estou de acordo com o superávit primário, mas acho que, além da meta de superávit prmário, um país deste tamanho precisa reduzir os juros, se quiser sair do atoleiro.

Acho que estamosemviasdedarosegundosalto.

Osaltodecertos investimentos.

Nãoinvestireminfraestrutura, por exemplo, causa pressão inflacionária.

Energia e estrada.

Você acha que a Fazenda é contra esses investimentos? Não, porque ela tem consciênciadeque,senãoinvestir em estrada, o preço do frete aumenta.

De uma forma ou outra, a economia real também tem efeito sobre a taxa de inflação.