Título: Novo teste de Down provoca apreensão
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/11/2005, Vida&, p. A12

NOVA YORK - Mia Peterson não é fã de testes. Como portadora da síndrome de Down, ela diz que não consegue pensar sempre tão depressa quanto gostaria e os testes acabam fazendo-a se sentir julgada. Um recente exame de motorista, por exemplo, terminou em frustração. Peterson, de 31 anos, a chefe de advocacia da Sociedade Nacional da Síndrome de Down, nos Estados Unidos, prefere falar em público e viajar. Sua aversão a testes se estende ao mais recente designado para detectar a doença num feto.

Alardeado na publicação científica The New England Journal of Medicine, de novembro, o novo teste pré-natal oferece resultados mais confiáveis e mais cedo para as mulheres do que o teste existente, que só é oferecido rotineiramente a mulheres mais velhas, cujo risco é mais alto. Para pessoas com síndrome de Down e de outras condições detectáveis em testes pré-natais, o novo teste causa apreensão.

Como esses testes freqüentemente conduzem a abortos, o número de pessoas com problemas, desde deficiência mental a fibrose cística, provavelmente diminuirá. Alguns temem, em conseqüência, que suas vidas ficarão mais difíceis justamente quando estavam ganhando a luta por maior inclusão social.

"Estamos tentando criar um lugar para nós na sociedade numa época em que a ciência está tentando eliminar ao menos alguns de nós", diz Andrew Imparato, presidente da Associação Americana de Pessoas com Deficiências, que sofre de distúrbio bipolar. "Para mim, é muito assustador." Alguns bioéticos vislumbram uma situação em que pais que optarem por não se submeter a exames genéticos serão evitados em planos de saúde, ou seus filhos perderão o direito a seguros. Pais e pessoas com deficiências temem que eles possam simplesmente ficar mais solitários e menos dinheiro seria dedicado a tratamentos e à educação especial.

A Fundação para a Fibrose Cística dos EUA, por exemplo, não endossa os testes pré-natais - algo que a Sociedade Americana de Obstetras e Ginecologistas recomenda durante a gravidez.

"Se você puder encerrar casos de gravidez com uma síndrome, quem irá colocar dólares de pesquisa nela?" pergunta Nancy Press, uma professora de antropologia médica da Universidade Saúde e Ciência de Oregon.

De fato, os U$ 15 bilhões gastos nos novos testes para a síndrome de Down pelo Instituto Nacional para o Desenvolvimento Humano e a Saúde da Criança poderiam ter sido aplicados antes para as muito necessárias pesquisas sobre a bioquímica de pessoas que vivem com essa condição, diz Michael Berube, da Universidade Estadual da Pensilvânia.

Berube, cujo filho de 14 anos é portador da síndrome de Down, preocupa-se com o fato de que, se menos crianças nascerem com a condição, avanços arduamente conquistados - como sua inclusão em escolas normais - podem perder apoio. "Quanto mais as pessoas acharem que a condição é base para uma interrupção da gravidez, mais provável será uma sociedade que não receberá bem essas crianças quando elas existirem", diz ele. "Isso se torna um ciclo vicioso."

Os defensores do aborto têm se mostrado especialmente cautelosos na discussão sobre a ética dos teste pré-natais, a menos que sejam vistos como jogando no lado oposto no debate sobre o direito de aborto. Mas os defensores de portadores de deficiências se preocupam com a rapidez com que a ciência dos exames pré-natais está avançando comparada à morosidade da discussão sobre como eles devem ser usados.