Título: Governo francês usa a mesma arma contra netos e avós
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/11/2005, Internacional, p. A12

Depois de dez dias de solene indiferença, o primeiro-ministro francês, Dominique de Villepin, começa a usar artilharia pesada. Para extinguir o perigoso incêndio que se alastra pelas periferias do país, ele revive uma legislação de exceção e decreta o estado de emergência que permite, em particular, impor o toque de recolher nos subúrbios. Não foi sem hesitar que Villepin tomou essa decisão. Até seu ruidoso e enérgico ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, considerado um incendiário, estava, no início, hostil a esse recurso extremo. É o que acha o jornal Le Monde quando escreve: "O primeiro-ministro Dominique de Villepin ainda não tem os nervos de um estadista."

O recurso ao estado de emergência deve ser visto sob duas óticas. A primeira é puramente técnica: será aplicável? Permitirá sufocar os bandos de amotinados ou, ao contrário, ameaça exacerbar as paixões e provocar novos excessos no momento mesmo em que a intensidade dos motins parece começar a diminuir?

Uma segunda leitura é a histórica. O estado de emergência é regulamentado por uma velha lei de 1955 e só foi aplicado uma vez, durante a Guerra da Argélia. Triste símbolo. É um espanto a estranha associação histórica que a decisão do primeiro-ministro francês está evocando. Para enfraquecer a cólera e a insensatez de bandos de garotos (em sua maioria, argelinos) à deriva, usa-se contra eles as mesmas armas que a França brandiu contra seus avós, há 50 anos, durante a Guerra da Argélia. Dificilmente se erraria mais o alvo.

"Você está vendo", diz Djamel, um jovem de 23 anos, um argelino dos subúrbios parisienses, mas ardoroso opositor aos atos de violência, como incêndios de veículos, escolas, estabelecimentos comerciais e industriais, prédios públicos e delegacias de polícia.

"Veja o delírio desse primeiro-ministro. Na periferia quase só há argelinos. Assim, neste país, um bougnoule (termo pejorativo usado pelos franceses para designar os imigrantes árabes) continuará sendo, como sempre foi, um bougnoule. Isso é muito grave. Quer dizer que eles (as autoridades) não nos consideram franceses, compreende..."