Título: Patentes de remédios são a nova discórdia na OMC
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/11/2005, Economia & Negócios, p. B3

GENEBRA - Se não bastassem os problemas que já enfrenta a Rodada Doha por causa da agricultura, os países terão agora de lidar com mais um na reunião ministerial de dezembro da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Hong Kong: as patentes de remédios. Brasil, Índia e Argentina declararam que vão se opor à proposta dos Estados Unidos de estabelecer limites para a importação de genéricos nos países pobres. O acordo sobre propriedade intelectual foi fechado há dois anos em Genebra para permitir que países em desenvolvimento e sem capacidade de produção farmacêutica pudessem importar genéricos de outras economias emergentes. Agora, em Hong Kong, o texto se tornaria oficial e incorporado às regras internacionais do comércio.

Mas no texto do acordo a Casa Branca insiste que algumas limitações fiquem claras. O temor dos americanos é de que os produtos genéricos que seriam exportados para os países mais pobres sejam em parte redirecionados a outros mercados. Por isso, querem que regras sejam estabelecidas para evitar essa triangulação de produtos.

Numa reunião na quinta-feira com os governos africanos, os americanos tentaram convencê-los da sua posição. Os europeus também apóiam as medidas pedidas pelos americanos. Na realidade, essas limitações já fazem parte de uma declaração feita em 2003 pela presidência das negociações, mas não foram incorporadas ao texto oficial do acordo. O que os americanos querem é que, quando o tratado for fechado em Hong Kong, as limitações também sejam incorporadas.

Diante dessa situação, Brasil, Argentina e Índia se reuniram com os governos africanos na sexta-feira em Genebra para anunciar que não aceitariam a proposta americana. "Esse será um tema que teremos de solucionar antes de Hong Kong", afirmou Clodoaldo Hugueney, embaixador do Brasil na OMC.

Para tentar fechar o que será aprovado em Hong Kong e o calendário para 2006, Genebra vai sediar amanhã uma reunião entre os principais ministros, entre eles o chanceler Celso Amorim. Um dos debates é quanto ao conteúdo da declaração de Hong Kong.

ALGODÃO

Nos últimos dias, os europeus têm insistido que seja aprovado em Hong Kong um pacote para ajudar os países mais pobres e, de certa forma, camuflar o fracasso da reunião de dezembro. Um dos pontos do pacote seria a redução de subsídios ao algodão, que poderia ajudar os países africanos. Na sexta-feira, os africanos propuseram eliminar todos os subsídios à exportação de algodão em 2006. Em 2009 seria a vez dos subsídios domésticos. Os europeus apóiam a proposta, pois não os afeta. Os maiores esforços seriam dos EUA, que já sofrem pressão do Brasil. O Itamaraty venceu a disputa na OMC e os americanos terão de retirar seus subsídios.

Pascal Lamy, diretor da OMC, ainda quer que a declaração de Hong Kong traga alternativas de cortes de tarifas e de subsídios aos setores agrícola e industrial. Muitos países, porém, não querem números no texto, já que as diferenças ainda são significativas. Os europeus querem cortes de 47% para produtos agrícolas, enquanto os americanos querem 85%.

Depois de se reunir com os ministros dos principais atores nas negociações, Celso Amorim embarca para Arusha, na Tanzânia, onde participará da reunião de ministros do Comércio da África na quarta-feira. O chanceler irá com um avião da FAB e levará como carona o próprio Lamy. O objetivo da presença de Amorim na África é tentar mostrar que o Brasil tem pontos em comum com esses países, ainda que europeus e americanos tentem dividir o bloco de economias em desenvolvimento.