Título: Na propaganda, terceira idade não é sinônimo de aposentadoria
Autor: Carlos Franco
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/11/2005, Economia & Negócios, p. B10

Aos 83 anos, o comerciante Braz Baccaro é uma das estrelas da propaganda da Skol, que mostra a turma da terceira idade num bingo. Ali, a festa começa com o arremesso de ovinhos de codorna em substituição à retirada de bolas numeradas num ritmo morno e sonífero de preenchimentos das tradicionais cartelas. Baccaro ficou feliz com sua participação no comercial criado pela agência de publicidade F/Nazca. Agora quer mais, muito além dos R$ 2 mil recebidos como cachê pela gravação que levou dois dias e na qual, conta, deu para se divertir muito. "Estou esperando o próximo", diz, animado e pronto para entrar em cena. Essa campanha, a qual Baccaro emprestou o talento, trouxe uma nova assinatura para a cerveja - "Com Skol tudo fica redondo" - que não substituiu o bordão desce redondo, mas deu novo apelo ao produto ao pôr em cena um consumidor geralmente relegado a segundo plano.

Há hoje no Brasil, segundo dados do IBGE, 27 milhões de pessoas com mais de 50 anos. Se cada uma dessas pessoas ganhasse apenas o salário mínimo de R$ 300, haveria, todo mês, R$ 8,1 bilhões para serem injetados na economia. Mas como trabalham e muitos nessa faixa etária estão no auge das carreiras, esse valor pode triplicar. E, como a medicina evolui a cada dia, essa turma vai ainda mais longe, e o dinheiro que tem é alvo de diversas campanhas publicitárias.

O problema é que a publicidade ainda é reticente em pôr em cena a terceira idade. Por isso, causou surpresa que, neste ano, várias campanhas trocassem jovens por homens e mulheres de cabelos brancos.

Primeiro, foi a enxurrada de comerciais, estrelados por Hebe Camargo e Nair Belo, por exemplo, que assumem a idade madura com muito humor, procurando seduzir os aposentados com o crédito consignado. As campanhas devem ter prosseguimento. Além delas, planos de previdência privada, como os do Bradesco e Itaú, procuram passar, na publicidade, uma imagem de velhice feliz.

Nem as campanhas publicitárias de margarinas, que durante décadas realçaram famílias felizes, escaparam. Homens e mulheres da terceira idade começaram a protagonizá-las, mostrando que margarinas que possuem vitaminas e não têm colesterol são garantia de que essa geração ainda vai acompanhar o desenvolvimento dos netos e bisnetos com muita saúde e vitalidade.

E é essa preocupação em se manter ativo o alvo de várias ações de marketing, de diferentes segmentos da economia. Seja de fabricantes de bebidas, como mostra a cerveja Skol, até estimulantes sexuais. Afinal, são os homens acima de 50 anos o principal mercado do Viagra, da Pfizer, que tem vendas anuais de mais de US$ 60 milhões, e de concorrentes como o Cialis, da Eli Lilly.

PONTE

Este é um segmento que busca em garotos-propaganda bem maduros, como Pelé, a ponte para fazer contato com um consumidor normalmente reticente e incrédulo, que já tem hábitos de consumo arraigados, mas pode se modernizar, como mostra o cartão de débito Mastercard, em campanha criada pela McCann-Erickson. Um senhor sai, usa o cartão de débito para todas as suas compras, mas chega em casa e o guarda debaixo do colchão, "porque conservar velhos hábitos não tem preço". Esse público também é o alvo do setor de cosméticos, com cremes anti-rugas que levam assinaturas, entre outros, de Avon, Natura e O Boticário.

Nos planos de previdência privada, os idosos também aparecem de bem com a vida. O presidente da F/Nazca, Fábio Fernandes, que criou o comercial da Skol, ficou realizado com o resultado. "Há sempre uma expectativa de como será a reação, e todos que enviaram comentários à agência ou ao fabricante gostaram da forma bem-humorada com que foram mostrados."

Fernandes diz que um dos comerciais de que mais gosta e que focaliza a vitalidade da terceira idade foi veiculado há mais de 10 anos, nos Estados Unidos, pela Pepsi. Os entregadores erram: a caixa do concorrente, a Coca-Cola, chega na universidade, e a da Pepsi, no asilo. Na cena, seguinte, os universitários apareciam jogando xadrez e as universitárias bordando, enquanto no asilo a festa, com muito rock, rolava solta.

Para Fernandes, reconhecer a importância desse consumidor é mais que uma obrigação. "Não podemos ser cínicos a ponto de jogarmos todo o foco das campanhas nesse consumidor quando ele tem 30, 40, 50 anos, e depois ignorá-lo solenemente, quando passa dos 60."

Os mais velhos também, acredita Fernandes, têm a vantagem de emprestar humor e experiência aos comerciais. É o caso da vovó que ensina os netos a limpar o liquidificador; a que parece surda, mas ouve melhor que todos; e, ainda, as que surpreendem jogando bola ou que emprestam a credibilidade a receitas culinárias e cuidados com os netos.

E esse casamento entre os talentos da maturidade e a publicidade resulta em situações, no mínimo, divertidas. A agência Giovanni, FCB, por exemplo, buscou uma octogenária, dona Hermelinda, para chutar o balde em nome do limpador com brilho Optimum Pronto Uso.

A modelo fez tanto sucesso que foi parar no rótulo do produto, e fechou contrato de exclusividade com a fabricante SC Johnson. Aos 83 anos, Hermelinda, nos comerciais e nos rótulos, é a mais nova estrela da propaganda.