Título: Dinheiro das comunidades sustenta comércio de Marabá
Autor: Mariana Barbosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/11/2005, Economia & Negócios, p. B12

Calote na praça cresceu e parte da conta acabou nas mãos da Vale; para cacique, 'tem muito branco enganando índio'

O dinheiro repassado pela Companhia Vale do Rio Doce às associações indígenas é um importante motor do comércio de Marabá, sul do Pará. Nas confecções e nos supermercados, os índios são clientes fiéis. Tidos na comunidade como "ricos", pois desfilam em carrões, eles são muitas vezes explorados por comerciantes, que empurram produtos desnecessários, inflam preços ou vendem fiado, além de superfaturar notas que muitos não sabem ler. No ano passado, a pendura dos índios envolveu duas dezenas de estabelecimentos. A situação ficou tão crítica que foram realizadas reuniões de comerciantes na Associação Comercial e Industrial de Marabá (Acim), com a participação do Ministério Público Federal. "Alertamos os comerciantes para terem cuidado e, aos poucos, os índios foram pagando", diz o presidente da Acim, Félix Miranda.

"Tem muito branco enganando os índios", reclama o cacique Bep Karoti Xikrin, um dos líderes da Associação Bep Nói, que chegou a dever R$ 1,1 milhão. Parte desses créditos foi coberta pela Vale, depois de algumas manifestações e ameaças. Hoje, a associação deve R$ 600 mil, principalmente para empresas de táxi aéreo, mas conseguiu renegociar e está pagando em parcelas mensais de R$ 43 mil. "Fizemos escola na aldeia. Nossos filhos vão aprender a ler e a falar português."

Com o aumento da freqüência das idas dos índios à cidade, a questão indígena se tornou um assunto tal qual o futebol em Marabá. Do taxista ao comerciante, todo mundo tem uma opinião.

"Alguns índios são malandros, mas grande parte é ingênua. Os Xikrin têm uma cultura preservada, mas são muito primitivos e tem muita gente na cidade querendo passar a perna neles", diz o dono de uma loja de roupas que prefere não se identificar.

Depois de deixar acumular um crédito de R$ 30 mil com uma associação dos índios Gaviões, o comerciante passou a ser mais seletivo. "Não vendo mais para os Kyikatejê (associação de uma aldeia dos Gaviões). Agora só para os Kakarekré (associação dos Xikrin Djudjekô, tida como a mais bem estruturada)."

Na avaliação da antropóloga Isabelle Giannini, os recursos da Vale para os índios são necessários e importantes e não estão descaracterizando a cultura indígena. Mas ela reconhece que o dinheiro sem planejamento e um programa social por trás está provocando danos à saúde dos índios e não está surtindo efeito no campo de educação.

Com a má alimentação e o sedentarismo, surgiram diabetes e colesterol alto, praticamente inexistentes nessas aldeias cinco anos atrás. O consumo de refrigerantes, biscoitos e outros produtos industrializados levou também o lixo para as comunidades, trazendo ratos e mais doenças.

Já a Vale acredita que está cumprindo seu papel com o repasse dos recursos às comunidades.