Título: Contato com homem branco leva à radicalização, afirma empresa
Autor: Mariana Barbosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/11/2005, Economia & Negócios, p. B12
Indígenas passam a cobiçar produtos como carros de luxo e chegam a fazer compras a prazo e mandar a conta para a Vale
O contato cada vez mais próximo com o homem branco é responsável pela radicalização dos índios Xikrins nas negociações com a Companhia Vale do Rio Doce, segundo avaliação do diretor de gestão ambiental e territorial da companhia, Maurício Reis. Para ele, a convivência com caminhonetes de luxo, aviões de agricultores e com comerciantes da região motivam os conflitos vividos entre as duas partes nos últimos anos. "As coisas vinham dentro da normalidade até três ou quatro anos, quando começaram a surgir distorções, que têm como raiz o fato da comunidade ter um relacionamento mais estreito com o homem branco que fez isto", diz o executivo, apontando para um mapa que mostra a grande área desmatada por agricultores e madeireiros em torno de Carajás.
Segundo ele, índios começaram a pedir à companhia bens como os que vêem em posse dos brancos. Se não conseguem, vão às lojas da região e compram eles mesmos os produtos.
Em 2002, a Vale chegou a enviar um ofício à Associação Comercial de Parauapebas se eximindo da responsabilidade de pagar dívidas feitas por indígenas. Há exemplos de compras, por índios, de carros e roupas a prazo, cujas prestações eram cobradas depois na mineradora. "Com a convivência, eles passaram a querer coisas que não queriam antes", analisa.
Segundo Reis, a Vale vai continuar prestando assistência às comunidades próximas a Carajás, mas quer manter o direcionamento dos recursos para projetos de educação, saúde, infra-estrutura e desenvolvimento sustentável. Todos os anos, em parceria com a Fundação Nacional do Índio (Funai), a empresa negocia com os índios os projetos que vão receber verbas no ano seguinte. O dinheiro é repassado para associações indígenas, que têm de prestar contas dos gastos junto à Funai.
Este ano, porém, os Xikrin se anteciparam e invadiram a vila residencial de Carajás antes do início das conversas, diz o executivo, ameaçando paralisar a mina se o pedido de R$ 18 milhões não for aceito.
Nos convênios, que contam ainda com anuência do Ministério Público, há uma cláusula que garante a interrupção dos repasses caso haja invasões, mas a empresa ainda não pretende recorrer a ela. Reis rebate ainda críticas feitas pela Funai, de que a companhia toca projetos sem conhecimento do órgão. "Todos os convênios têm assinatura da Funai. Como dizem que fazemos coisas à revelia deles?", questiona.
A Vale foi à Justiça para tentar evitar novas invasões e quer que as autoridades mantenham o Estado de direito. "Queremos ajudar, mas não podemos fazer o papel do Estado", defende-se o diretor da companhia, acrescentando que o bem-estar das comunidades é responsabilidade da Funai. Segundo ele, o apoio às comunidades é voluntário, pois não consta de nenhuma lei ou contrato assinado pela Vale. Há duas etnias no entorno de Carajás que recebem recursos, além das reservas florestais da região, estas em parceria com o Ibama.