Título: OCDE alerta: petróleo ressuscitou inflação
Autor: Alberto Tamer
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/11/2005, Economia & Negócios, p. B4

Atenção! Graças ao aumento dos preços do petróleo, a inflação está voltando, alerta a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em setembro, anualizada, ficou em 3,3%, em contraste com os 2,8% em agosto. Se não fosse o petróleo, a inflação teria ficado em 1,8%. A OCDE não deixa margem a dúvidas: a causa "foi o aumento contínuo dos preços da energia (leia-se petróleo)". Mais ainda, "tomando como base não a variação anual, mas mensal, a inflação nos 30 países membros da OCDE passou de 0,3% para 0,8% em setembro". Isto é, pode-se afirmar que, sem o petróleo a mais de US$ 60 o barril, a inflação estaria estável.

SE CAIR, DEMORA PARA AJUDAR

Outra conclusão, esta da coluna, é que, mesmo com recuo da cotação do petróleo para menos de US$ 60, os preços em geral continuarão subindo por alguns meses, alimentados pelo custo inicial. Eles serão repassados pelos consumidores de uma ampla gama de produtos em que se utiliza petróleo ou derivados. De uma forma ou de outra, o preço pago pelo consumidor final será registrado, ainda por algum tempo, no cálculo da inflação. A economia mais atingida foi a européia. Só na zona do euro, a inflação ficou em 2,6%. O único país importante da OCDE imune foi o Japão, onde, após um longo período de estagnação econômica, os preços aumentaram apenas 0,3%. Não é fruto de menor pressão do petróleo, mas de persistente queda do consumo interno.

A HISTÓRIA SE REPETE

A OCDE apresenta as estatísticas desanimadoras sem comentá-las, o que deverá ser feito em outro documento. As conclusões, porém, são claras: os produtores de petróleo que integram a Opep estão provocando uma nova onda mundial de retração. E o crescimento atual de 4%? Ele mostra apenas que as principais economias continuam absorvendo a pressão sobre os preços, mas já estão no limite de resistência. Os países do Oriente Médio acumulam ganhos acima de US$ 1 trilhão, enquanto estão fazendo ressurgir o fantasma da inflação exorcizado pela alta dos juros, brutal nos anos 70, o que custou imenso peso sobre os países endividados no mercado financeiro internacional, como o Brasil.

ECONOMIA MAIS RESISTENTE

A diferença é que, agora, a economia mundial está mais sólida. A crise não é de fornecimento de petróleo, mas de preços. Nesse caso a única exceção importante é a UE, onde uma economia extremamente rígida anula os efeitos das medidas adotadas por outros países para absorver a alta dos preços. E, no caso europeu, isso é grave, pois, ao contrário dos EUA e da China, ambos grandes consumidores de petróleo, a Europa já vive há três anos em clima de estagnação. E não há o mais leve sinal de mudanças a curto prazo. Este ano está perdido, o que poderá acontecer também em 2006.

Mas seria isso tão importante?, pode perguntar o leitor. Afinal, a Europa vem assim há algum tempo e a economia mundial não se afundou na recessão! É importantíssimo, sim, porque o bloco europeu tem um PIB próximo ao dos EUA, da ordem de US$ 10 trilhões, o dobro do Japão, e é o segundo maior mercado mundial. Além disso, é a única alternativa, a única economia que poderá substituir os EUA na tarefa de sustentar o crescimento econômico mundial.

PROFISSÃO: DESEMPREGADO

Greenspan, Snow, o FMI, o Banco Mundial, enfim, todos têm afirmado isso sem conseguir sensibilizar os países europeus, mais preocupados em socorrer os desempregados do que criar empregos. Em alguns países, como a França, o desemprego virou profissão. É melhor ficar desempregado e receber um cheque menor no fim do mês do que aceitar novas ofertas de trabalho mesmo ganhando mais. Eu mesmo passei por essa experiência em Paris quando o pintor se negou a trabalhar em casa se eu não pagasse em dinheiro, sem cheque, tudo na surdina, por debaixo do pano, pois ele era desempregado e perderia a ajuda se fosse descoberto. E o meu pintor que, por acaso, era um brasileiro vivendo há mais de 40 anos em Paris, tinha carro e uma casa para os fins de semana.

MAIS EMPREGOS AJUDAM

É nesse contexto que se situa o pronunciamento de Greenspan ao comitê econômico do Congresso. Ele afirmou que a economia americana "parece continuar vivendo um momento positivo", mas alertou para "mais incertezas que rodeiam as estimativas de inflação". Ele mencionou um fato até agora desprezado, o que torna o quadro atual diferente do que existia nos dois choques anteriores. Agora, diz ele, com a globalização percorrendo o mundo e unificando mercados, inclusive de trabalho, há maior oferta de empregos. A entrada na economia mundial de novos países é um fato positivo que poderia atenuar a alta dos custos. A globalização, diz Greenspan, "provavelmente dobrou a oferta de mão-de-obra". Este fator mais persistente da produtividade do trabalhador americano atenua os custos de produção e a pressão sobre os preços pagos pelo consumidor. Mas não é uma exploração injusta da mão-de-obra barata? Greenspan admitiu que sim. Mas, em termos econômicos, não sociais, é um fator de contenção inflacionária.

A conclusão desses cenários está evitando um novo surto inflacionário.

A persistir esse fenômeno, a tendência é de os juros decretados pelos bancos centrais aumentarem, com todas as conseqüências de redução e até mesmo escassez de recursos destinados aos países emergentes.

Este é um quadro em que faltam ainda algumas pinceladas na cena dos preços e na tardia e ainda imprevista retomada da economia européia.