Título: Religiosos debatem. à espera do papa
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/11/2005, Vida&, p. A30

A presença de Bento XVI na 5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, que levará a Aparecida cerca de 200 bispos de 22 países da América Latina e do Caribe, em maio de 2007, começa a movimentar dioceses e paróquias do Brasil. Enquanto a hierarquia se entusiasma com a vinda do papa, prevendo reflexos positivos para o catolicismo, os teólogos discutem os rumos que a reunião deverá tomar. Uma comparação com as conferências anteriores - especialmente as de Medellín (1968) e de Puebla (1979), nas quais a Teologia da Libertação foi o tema predominante - está em todas as discussões. "Cada reunião tem um contexto novo, nenhuma vai negar outra", adverte o arcebispo de Aparecida, d. Raymundo Damasceno Assis, que foi secretário-geral do Conselho do Episcopado Latino-Americano (Celam) e da 4ª Conferência Geral, realizada em Santo Domingo, República Dominicana, em 1992. "O tema central do próximo encontro - Discípulos e Missionários de Jesus Cristo, para Que Nossos Povos Nele Tenham Vida - nos ajudará a aprofundar a fé e a reafirmar nossa adesão a Cristo", disse d. Damasceno. "A Igreja refletirá sobre os desafios de hoje."

Como anfitrião do episcopado latino-americano, ele já está montando uma logística para receber cerca de 300 bispos e seus assessores. "Se o papa quiser se hospedar na minha casa, terei muita alegria em acolhê-lo, mas a decisão não é minha", adiantou. A responsabilidade pela programação é do Celam e da Pontifícia Comissão para a América Latina. Além dos bispos latino-americanos e do Caribe, participarão da reunião delegados da Cúria Romana e de outros continentes, designados pelo Vaticano.

OUTRAS CIDADES

D. Damasceno calcula que mais de 500 mil fiéis irão a Aparecida para ver Bento XVI. "Essa multidão corresponde a duas ou três vezes o que o Santuário costuma receber nos domingos e festas religiosas." O arcebispo não se apavora com essa perspectiva. "A cidade e a basílica têm agora mais infra-estrutura do que em 1980, quando João Paulo II esteve aqui." É provável que o papa estenda a visita a outras regiões do País , mas o programa ainda não foi definido. "A decisão dele de que a conferência seria realizada em Aparecida me surpreendeu, pois eu não havia pensado nessa possibilidade quando o convidei para visitar o Santuário da Padroeira do Brasil", afirmou.

O teólogo Leonardo Boff também acredita que Aparecida não vai repetir as reuniões anteriores. O ex-frade franciscano, que deixou o sacerdócio e o convento, mas não abandonou a teologia após ter sido censurado, em 1984, pelo cardeal Joseph Ratzinger, hoje papa Bento XVI e à época prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, não demonstra mágoas pelo episódio. Ao contrário. "Recebi sinais de que o papa quer falar comigo", revela Boff, que diz aguardar a conferência com esperança. "Talvez não se use o termo libertação, mas é provável que a Igreja retome seu lado profético, em defesa da ética, da ecologia, do equilíbrio da humanidade e da superação da injustiça", disse. Para ele, isso é conseqüência da adesão a Cristo.

DOCUMENTO PRONTO

É essa também a expectativa do padre José Marins, ex-assessor do Celam em Medellín e Puebla. "Os protagonistas serão estimulados a ser testemunhas de suas comunidades, mais do que repetidores de citações dos documentos pontifícios", observou o teólogo de 73 anos, líder de uma equipe itinerante que trabalha com movimentos eclesiais em vários países, incluindo os Estados Unidos.

"O fato de a 5ª Conferência do Episcopado Latino-Americano e do Caribe se realizar em Aparecida recoloca a Igreja do Brasil e a CNBB numa perspectiva de confiança e respeito, o que é algo novo", observou Marins. Em sua opinião, os bispos não deveriam esquecer o papel que, apesar das críticas, a Teologia da Libertação desempenhou nas últimas décadas. Marca da conferência de Medellín, da qual Paulo VI participou, o movimento recebeu o aval de João Paulo II em Puebla, com ressalvas. Os teólogos da libertação, advertiu o papa, não poderiam usar instrumentos marxistas para análise da realidade e a opção preferencial pelos pobres não deveria ser exclusiva.

Para o professor Jung Mo Sung, da Universidade Metodista de São Bernardo do Campo (SP), a conferência de Aparecida não terá para a sociedade o impacto que as anteriores tiveram. "Os bispos darão ênfase à família para reafirmar a posição da Igreja sobre questões como aborto, divórcio, reprodução humana e moral sexual, deixando de lado as questões sociais", prevê. "Enquanto se discute um documento que já vem pronto de Roma, as comunidades vão refletir sobre o tema, a partir da realidade de sua vida", observa o beneditino Marcelo Barros, de Goiânia (GO).

A discussão já começou. As dioceses estão recebendo cópias do Documento de Participação para apresentar o resultado de suas reflexões ao Celam em agosto.