Título: Partido pode virar um PMDB à esquerda, prevê cientista político
Autor: Mariana Caetano
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/11/2005, Nacional, p. A14

Aldo Fornazieri avalia, ainda, que governo Lula avançou em relação a FHC, mas falhou na renovação de costumes políticos

A nova configuração interna do PT, resultado das eleições que tiraram do Campo Majoritário a hegemonia mantida há 10 anos no Diretório Nacional, aumentará o impasse na definição dos rumos do partido e a relação "esquizofrênica" com o governo Lula. Para o cientista político Aldo Fornazieri, que acompanhou a construção do PT e sua derrocada atual, o partido corre o risco de se transformar numa espécie de "PMDB à esquerda", com o fortalecimento de lideranças regionais em detrimento do comando unificado nacional. A Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, onde Fornazieri coordena o curso de graduação, lança nesta semana um caderno especial sobre a crise política.

O governo Lula fracassou?

Se comparado com o governo FHC, o governo Lula teve êxitos importantes. O crescimento econômico é um exemplo. Mas os resultados foram muito piores em relação aos objetivos que o PT e o candidato Lula apresentaram. Fracassou também na renovação dos usos e costumes políticos brasileiros. Ao longo de sua história, o PT sempre fez o discurso da renovação. Lula pode se reeleger, mas dimensionando os resultados de seu governo face aos objetivos de mudanças e o discurso da renovação, sem dúvida ele fracassou.

E o PT?

A crise do PT é anterior ao escândalo do mensalão. Havia uma crise de capacidade na condução política do País. Isso se relacionava à insuficiência do programa governamental, ao próprio governo Lula e a um modo de direção pragmática que afetava tanto a liderança partidária quanto o governo. Os objetivos imediatos do poder passaram a ser preponderantes sobre qualquer outra consideração. Isso bloqueou a capacidade de desenvolver um programa estratégico de longo prazo.

De que forma isso afetou o partido?

O PT se dividiu em dois blocos: uma esquerda combativa, mas anacrônica, e o Campo Majoritário, afundado dentro de uma condução pragmática do partido e do governo. O governo acabou dando alguns passos adiante em relação àquilo que o PT tinha elaborado e isso criou um paradoxo: o partido não acompanhou os passos positivos que Lula deu. Esta esquizofrenia se manifestou em impasses, críticas e incapacidade de condução política. Governo e o PT não conseguiram coesionar sua base política no Congresso em torno de eixos programáticos e estratégicos. Ficaram presos à armadilha fisiológica, que levou a deslizes éticos.

A eleição interna desbloqueou a capacidade de construir esse projeto?

Pelo contrário. Os impasses se aprofundaram porque o PT não tem um grupo com maioria definida e tudo terá de ser negociado. Na sua essência, um partido é um organismo de direção e comando. Se não é capaz de definir para onde quer ir, vive em impasses. A crise no partido tende a se aprofundar.

O que pode ocorrer com o PT?

Com o enfraquecimento do mando nacional, as lideranças regionais vão agir com mais autonomia. Isso já está ocorrendo no Rio Grande do Sul, em São Paulo e Minas Gerais. Além disso tem o problema das tendências. O PT é um conglomerado de tendências e, como não há hegemonia clara de nenhum grupo, isso contribui para a fragmentação e a ambigüidade. Para as eleições presidenciais, Lula terá de definir um comando político próprio. E precisará convencer o PT do caminho que escolheu, a menos que faça uma campanha com uma relativa autonomia em relação ao partido. É claro que o PT estará engajado na campanha, mas dada a fragilidade da legenda neste momento, o governo poderá se impor sobre o partido.

O que se pode esperar de um eventual novo governo Lula?

É difícil fazer um prognóstico, mas tende a ser um governo mais ao centro do que o atual.

Mas a expectativa do PT é puxá-lo mais à esquerda.

O PT deve perder força política, especialmente na Câmara. Diante disso, Lula terá de compor uma base de sustentação mais ao centro. O PMDB poderá ser seu grande fiador.