Título: Caixa 2 do PT em Ribeirão saiu da prefeitura, diz MP
Autor: Ricardo Brandt
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/11/2005, Nacional, p. A10

Promotores têm documentos que mostram o caminho do dinheiro e vão processar suspeitos, incluindo o ministro Palocci

Não é só no escândalo do mensalão, investigado pela CPI dos Correios, que as provas começam a aparecer: documentos em poder da CPI dos Bingos e do Ministério Público Estadual indicam que o advogado Rogério Buratti disse a verdade quando afirmou, em 19 de agosto, que a empresa de coleta de lixo Leão Leão operava um "mensalinho" para quatro prefeituras paulistas, entre elas, a de Ribeirão Preto. Ele disse, na ocasião, que R$ 50 mil por mês eram pagos ao prefeito da cidade, inclusive na gestão do hoje ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Após trilhar os passos indicados por Buratti em seus depoimentos à CPI e ao Ministério Público Estadual, as investigações montaram um quebra-cabeça que comprova: foram recursos das próprias prefeituras que abasteceram o caixa 2 do PT nessas cidades da região de Ribeirão.

Pelo esquema, o dinheiro seguia o seguinte trajeto:

1)A prefeitura pagava à Leão Leão pelos serviços de limpeza da cidade. Testemunhos guardados a sete chaves pelo MPE confirmam que havia uma recomendação para lançar, nas planilhas de pagamento à Leão Leão, medições de varrição acima do serviço realizado. Uma medição suspeita é a que fixa 48 quilômetros de varrição diária no Bosque Municipal de Ribeirão Preto. Também é suspeito o aumento de gastos com a coleta hospitalar: o serviço custava R$ 43 mil por mês em janeiro de 2002 e pulou para R$ 236 mil mensais, em março do mesmo ano. O contrato de limpeza da Leão Leão é vinculado ao Departamento de Água e Esgotos de Ribeirão Preto (Daerp), na época dirigido por Isabel Bordini, mulher de Donizete Rosa, homem de confiança de Palocci, levado por ele para assumir um cargo de direção no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), em Brasília.

2) Para justificar a saída de valores na contabilidade da Leão Leão, pelo menos três empresas forneciam notas fiscais frias, simulando vendas à empresa. As três - Comercial Luizinho, Twister e Kaf Bras - estão sendo investigadas. Apurou-se que elas recebiam 2% sobre o valor das notas. Seus donos não foram localizados pelo Estado. Os cheques usados para "pagar" as notas fiscais frias eram sacados em espécie na agência bancária que funciona dentro da Leão Leão. Segundo Buratti, o dinheiro ficava na própria empresa e chegou a sair de lá em carro-forte.

3) Em seguida o dinheiro era enviado às prefeituras em que a Leão tinha contratos - Ribeirão, Matão, Sertãozinho e Monte Alto. Buratti disse ter sido informado por outro assessor de Palocci, Ralf Barquete, morto no ano passado, que, no caso de Ribeirão, a verba de R$ 50 mil entregue ao prefeito era depois enviada ao PT. Mas uma planilha apreendida nos computadores da Leão - que para o MPE é o mapa do pagamento das propinas - relaciona para a cidade um valor de R$ 226 mil mensais.

Para a CPI dos Bingos e para o MPE, os valores são muito próximos dos pagos à Comercial Luizinho, à Twister e à Kaf Bras no período de um ano. Juntas, elas teriam "recebido" R$ 2,8 milhões, entre janeiro e dezembro de 2002, segundo análise feita pela CPI em 331 cheques sacados da conta bancária da Leão Leão. A Comercial Luizinho recebeu R$ 1,9 milhão, entre janeiro e dezembro de 2002; a Twister recebeu R$ 660 mil e a Kaf Brás, R$ 297 mil, sempre em espécie.

MAPA

O caminho do dinheiro, segundo o mapa da CPI e do MPE, foi apresentado pelo Estado a Buratti sexta-feira, num encontro em seu apartamento, em Ribeirão Preto. O ex-assessor de Palocci, que chegou a ser preso e é suspeito de integrar uma quadrilha especializada em fraudar licitações, confirmou quase tudo. Ele só não tem certeza da forma como o dinheiro saía das prefeituras, apesar de admitir que, em alguns casos, houve acertos de medição de serviço acima do realizado para que fosse paga a propina. Ele também não se lembrou das notas da Kaf Bras.

Com base nessas constatações traçadas em conjunto com os membros da CPI dos Bingos e com a Polícia Civil, os promotores que apuram a máfia do lixo no interior de São Paulo estudam agora a possibilidade de mover uma ação de improbidade administrativa contra os envolvidos, entre eles Palocci e a Leão Leão - principal doadora da campanha de prefeito do hoje ministro, em 2000. Até agora, as investigações ocorrem na área criminal (que envolveria a lavagem de dinheiro e a formação de quadrilha).

O ministro Antonio Palocci foi procurado na sexta-feira para comentar o caso, mas a reportagem não obteve resposta de sua assessoria de imprensa. Em outras ocasiões, o ministro negou que qualquer pessoa tivesse recebido R$ 50 mil mensais da Leão Leão em seu governo. A Leão Leão divulgou apenas uma nota dizendo que está apurando as denúncias e tem colaborado com as investigações.