Título: Sem margem para manobras
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/11/2005, Nacional, p. A6

Lula não pode mais transferir culpa ao PT nem insistir na versão do crime eleitoral Na entrevista que dará amanhã ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o presidente Luiz Inácio da Silva não terá muitas escolhas quando lhe perguntarem sobre a descoberta da CPI dos Correios a respeito do trânsito escuso de dinheiro entre o Banco do Brasil e os dutos valerianos de abastecimento do caixa do PT. Não poderá insistir na versão do deslize ético de natureza eleitoral, não terá como transferir ao partido a responsabilidade de ilícitos cometidos a partir de uma instituição governamental subordinada ao Ministério da Fazenda, não convencerá se falar de novo em traição de forma difusa, mas principalmente, não contará com a prerrogativa de alegar desconhecimento.

A não ser que aceite ser, a partir daí, tratado como um governante não só alheio ao próprio governo, como vocacionado à prática da inverdade e interessado em que as investigações não cheguem a bom termo.

Nesta hipótese, estará desmentindo suas declarações peremptórias sobre a disposição de "cortar na própria carne". Mas estará sobretudo passando um atestado de indiferença aos rumos na crise no que tange às investigações que exigiu profundas meses atrás.

Amanhã terá tido tempo suficiente para refletir qual a atitude mais aconselhável a tomar, embora não tenha, para isso, muita margem de manobra além do enfrentamento objetivo da questão.

A surpresa e o atordoamento com que o governo recebeu a constatação da CPI dos Correios não favorecem a esperada firmeza de atuação.

As declarações desencontradas e repetitivas a respeito da ausência de provas diante de um indício de consistência comprovada pela atual diretoria do Banco do Brasil mostram, no mínimo, que o governo não se interessou nesses cinco meses de crise em tomar conhecimento detalhado das andanças de Marcos Valério pelos escaninhos da administração federal.

Vale lembrar que a certa altura, mais ou menos dois meses depois de divulgadas as primeiras denúncias, o presidente Lula informou por meio de sua Secretaria de Imprensa que estava pedindo ao ministro da Justiça um levantamento minucioso de todos os processos em andamento para poder acompanhar passo a passo as investigações.

Seria de se esperar, portanto, que quando a CPI descobriu o contrato da Visanet ordenado pelo Banco do Brasil e sobre o qual pairam acentuadas suspeitas, o presidente tivesse uma resposta pronta, definitiva e convincente a dar ao País.

Para confirmar, e se penitenciar, ou desmentir de forma inquestionável a CPI. No lugar disso, tivemos o silêncio oficial e, extra-oficialmente, um amontoado de informações sem consistência.

Ora se diz que o presidente ficou preocupado, ora que está tranqüilo; alguns reclamam de falta de provas, mas não exibem evidências em contrário, a despeito da alegação de que o BB já investigava o caso há 20 dias (o contrato em questão é de 2004!); outros alegam que, se houvesse dinheiro público em jogo, o PT não estaria em situação financeira periclitante, como se isso explicasse alguma coisa.

Fato é que, da palavra e das atitudes do presidente Lula dependerão as reações dos partidos de oposição e de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil, que já não encontram pejo em falar na responsabilização legal do presidente, possibilidade antes considerada fora de cogitação.

Não por acaso, a OAB inclui a "falta de transparência" do presidente da República entre os motivos que justificariam a inclusão do "remédio amargo" no cenário da crise.

A oposição, por sua vez, ainda não decidiu um caminho legal a tomar, mas definiu que politicamente já não seguirá a linha da absolvição presidencial como preliminar. Ao contrário, a tendência é adotar um discurso segundo o qual o presidente da República não está liminarmente livre da aplicação da lei.

Parece óbvio, mas reflete uma mudança significativa de posição . Os partidos continuam preferindo não ter a iniciativa de propor medidas diretas contra o presidente, mas não estão mais dispostos a demover da idéia quem quiser fazê-lo, para não serem amanhã ou depois acusados de conivência.