Título: A reboque de Chávez
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/11/2005, Economia & Negócios, p. B2

Ontem, o presidente do México, Vicente Fox, defendeu que a Alca saísse sem o Mercosul, que decididamente não faz questão do projeto. O chanceler brasileiro, Celso Amorim, respondeu que cada um decide isso como quiser, o que parece acentuar o racha na 4ª Cúpula das Américas, que termina hoje em Mar del Plata, na Argentina. Dá para entender por que Fox está perdendo a paciência com o Mercosul, que é contra a Alca. O México está excessivamente dependente das importações dos Estados Unidos e quer diversificar mercados. Por isso, trata de fechar acordos comerciais com o maior número de países do mundo. Fox não costuma dar ponto sem nó. É possível que, por trás da ameaça de ontem, esteja o dedo de Tio Sam. Lançada em 1994, a Alca pretendeu ser uma espécie de ampliação do Nafta, a área de livre comércio partilhada pelos Estados Unidos, Canadá e México. O governo Lula sempre foi contra a liberação comercial dentro do sistema solar que tem os Estados Unidos como centro. Para ele, não passa de um esquema de anexação do resto das Américas aos Estados Unidos. Mas, de uns tempos para cá, prefere dizer que a Alca não avançou porque os Estados Unidos ainda não se dispuseram a reduzir ou eliminar os subsídios à agricultura. Em abril, o presidente Lula orgulhava-se de ter tirado a Alca da pauta de discussões. Até agora, o governo americano argumentou que os subsídios agrícolas constituem questão sistêmica que não pode ser resolvida na Alca. Teria de fazer enormes concessões que beneficiariam os países da União Européia, sem nenhuma contrapartida por parte deles. Por isso, diz, esta questão tem de ser resolvida na Organização Mundial do Comércio, a OMC. Do ponto de vista estratégico é difícil engolir a teoria da anexação. Todos os países aspiram por ter acesso ao maior mercado do mundo, que importa US$ 1,7 trilhão por ano (projeção para 2005 da Economist Intelligence Unit). O México deu esse passo em 1992 e não se arrependeu; o Chile, em 2003; e a Austrália, em 2004. A China fez de tudo para entrar na OMC e, assim, poder exportar mais para os americanos e para o resto do mundo. Em vez de ter sua indústria atropelada pela concorrência americana, como o pensamento anti-Alca imagina que pudesse acontecer com a do Brasil, a China passou a receber investimentos de todo o mundo. Agora, são os países QUESTÃO DA ALCA REAPARECEU NA CÚPULA PORQUE NÃO HÁ O QUE DISCUTIR ricos que se queixam de que sua manufatura está migrando para a China. É por isso que os políticos americanos estão cada vez mais protecionistas. Eles entendem que a Alca beneficiaria mais o resto das Américas do que os Estados Unidos. As coisas não se esgotam aí. Se a Alca não sair, os Estados Unidos tenderão a fechar acordos em separado, como têm feito. O país com acesso fácil ao mercado americano está mais apto a receber investimentos externos que tenham por objetivo produzir para exportar. Ficar de fora implica abrir espaço para a concorrência. E, se a ameaça de Fox tiver alguma probabilidade de se concretizar, o Mercosul e, dentro dele, o Brasil, terão muito a perder. Depois de tudo o que aconteceu com a Alca até aqui, e uma vez aceito o princípio de que é preciso esperar pelas concessões da União Européia, a lógica diz que não é para reabrir o tema antes do desfecho da Rodada Doha, marcado para dezembro. A única razão pela qual a questão da Alca reapareceu na reunião de Cúpula é que não há nada de relevante a discutir. Outra novidade é a de que o presidente Lula perdeu para o presidente venezuelano Hugo Chávez o posto de adversário número um do projeto. Para este, 'a Alca precisa ser enterrada'. A nova lógica é a de que, se quiser seguir no boicote à Alca, o presidente Lula terá de seguir a reboque de Chávez.