Título: Cientistas se unem por células-tronco
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/11/2005, Vida&, p. A38

Pelo menos 41 grupos de pesquisadores do País integrarão um instituto virtual, para unificar métodos de estudo e comparar resultados

Cientistas brasileiros vão trabalhar em equipe para avançar nas pesquisas sobre células-tronco adultas e embrionárias. A proposta é criar o Instituto Virtual de Células-Tronco (IVCT), pelo qual será possível compartilhar informações e padronizar protocolos de pesquisa - em vez de cada laboratório tocar seus projetos isoladamente. Mais de 40 grupos selecionados no último edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em agosto, deverão fazer parte do instituto, cujo site está previsto para entrar no ar até o fim do ano. "Não há no mundo protocolos uniformizados. Todos estão tateando", disse Stevens Rehen, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos organizadores do 1º Encontro Brasileiro de Células-Tronco Embrionárias Humanas, realizado ontem no Rio. "Queremos estabelecer protocolos únicos de cultura de células para que grupos de São Paulo e do Rio, por exemplo, possam comparar os resultados a que chegaram."

"Essa não é uma história que vai ter heróis individuais; é algo que demanda um esforço coletivo", disse Antonio Carlos Carvalho, também da UFRJ e coordenador de Ensino e Pesquisa do Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras. "No Brasil há pouquíssimas pessoas com familiaridade no cultivo dessas células, por isso vamos precisar trocar muitas informações."

Rehen disse já ter um grupo particular interessado em patrocinar o IVCT. "Além disso, vamos pleitear junto ao CNPq mais 5% sobre os R$ 11 milhões que estão para ser liberados. Essa verba será usada para a manutenção do site", disse. Haverá conteúdo específico para o público leigo, além de um canal para a imprensa. "Não apenas os 41 selecionados pelo edital vão fazer parte do instituto, mas todos os centros com pesquisas avançadas nessa área."

Carvalho e Rehen são responsáveis por dois dos únicos trabalhos contemplados no edital para pesquisas com células-tronco de embriões humanos. Os experimentos, que visam principalmente ao estudo dos mecanismos de diferenciação dessas células in vitro, serão feitos com linhagens trazidas dos EUA. Pelo menos dois outros projetos contemplam o estudo de células embrionárias humanas, mas nenhum com linhagens produzidas no Brasil - o que levou a uma sensação de desgosto na comunidade científica, após a tão aguardada liberação das pesquisas na Lei de Biossegurança, em março.

As pesquisas já em andamento no Brasil são focadas nas células-tronco adultas, retiradas principalmente da medula óssea e do sangue de cordão umbilical. Há projetos em diversas áreas, como o tratamento de doenças cardíacas, hepáticas e do sistema nervoso.

COBRANÇA

Todos os projetos aprovados no edital do CNPq aguardam a liberação dos recursos para iniciar as pesquisas. Um grupo de 26 pesquisadores enviou carta à presidência do conselho pedindo esclarecimentos sobre os recursos. O texto diz que "a liberação prescreveu há várias semanas e os projetos encontram-se severamente comprometidos em função desta indefinição".

O CNPq respondeu que não há data oficial para a liberação dos recursos e a previsão do edital é que a contratação ocorreria a partir de 5 de setembro, "de acordo com a disponibilidade financeira e orçamentária". "O CNPq já dispõe da liberação orçamentária, mas ainda não recebeu os recursos financeiros para completar a contratação dos projetos, cujo início está previsto para breve", diz a nota .

MORATÓRIA: Mesmo com a aprovação da nova Lei de Biossegurança, em março, as pesquisas com células-tronco embrionárias no Brasil ainda sofrem de uma "moratória branca", segundo o presidente da Comissão de Bioética, Biotecnologia e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), Erickson Gavazza Marques. Ele aponta para a demora na regulamentação da lei e para a falta de financiamento federal para o desenvolvimento de novas linhagens dessas células no Brasil.

"A OAB está estudando seriamente a possibilidade de pedir providências à Presidência da República para que, enfim, decida quanto à entrada em vigor do decreto que regulamenta a lei", disse Marques. "A ciência brasileira está ansiosa por isso." Ele avalia que, mesmo sem a regulamentação, a lei já autoriza os cientistas a iniciarem pesquisas com embriões humanos. A falta de regras definitivas e de recursos, entretanto, emperram os trabalhos.

"Todos que submeteram projetos para trabalhar com embriões congelados foram rejeitados (no edital do CNPq)", disse o médico e pesquisador Edson Borges, especialista em reprodução humana. "O que a gente sente é que não há disposição para apoiar esse tipo de pesquisa."